O Domador de Pulgas
Certas pessoas possuem um preconceito à prova de qualquer bom senso. Claudine era uma delas e quase foi à loucura ao saber da profissão do genro. Ela coava um delicioso café, aguardando a chegada de Marília, que irrompeu a porta com largo sorriso. Lançou a bolsa sobre a mesa, tirou as luvas, desfez-se do salto alto:
- Depois você guarda – ordenou Claudine.
- Tudo bem, mãe. Eu guardo – respondeu a saltitante Marília.
Desde que se envolvera com Anselmo, o brilho nos olhos, o sorriso nos lábios e a cor da pele ganharam novos contornos. Ela parecia viver sob um facho de luz.
- O que ele faz da vida? – Claudine tinha isso como uma questão de honra. Se o rapaz não tivesse meios de sustentar a filha, melhor que partisse e nunca mais voltasse. Mesmo que a sua pequena sofresse, ela preferiria a dor de uma partida a ver a menina humilhar-se diante de uma vida sem perspectiva.
- Eu vi o que ele faz. Fui a um dos seus espetáculos!
Pronto. Claudine começou a tremer. Enquanto despejava o líquido no coador, sentiu certa vertigem.
- Um artista! Pensou. Ela arranjou um ator ou músico? Ainda bem que o pai está morto ou morreria de novo.
- Ele é um domador de pulgas.
Claudine sentiu o mundo girar. O estômago dava voltas, saltos. O coração disparou em uma palpitação que a fez esmorecer. Deitou o bule na pia. O cheiro do café foi algo que fez com que recuperasse as forças. Cega pelo amor, Marília não percebeu o mal-estar da mãe. Esta levantou os olhos. Encarou a filha. Segurou-lhe firme pelo pulso.
- Marília...
Foi tudo o que disse. A menina tirou o sorriso dos lábios e fez um muxoxo. Entendeu o que a mãe queria dizer. Soltou da mão da mãe e subiu correndo para o seu quarto. Deitou-se na cama a chorar. Dormiu vestida. No dia seguinte estava toda amarfanhada. O café da manhã foi amargo. Claudine quebrou o silêncio:
- Traga-o aqui esta noite. Quero-lhe falar.
Por um instante Marília sorriu:
- A senhora vai consentir no casamento?
- Fale para ele trazer as pulgas. Tem como fazer o espetáculo aqui?
- Sim, ele trará, ele trará.
Claudine guardou silêncio durante todo o dia. Marília localizou o noivo. Ele chegou pontualmente, sem violentar um minuto que fosse. Cumprimentou a futura sogra. Ela estava gélida, sisuda e calada:
- Vamos ver o que o seu moço e o seu circo sabem fazer.
Anselmo armou sobre uma mesa que transportava uma pequena tenda, colorida e muito bonita. Depois, um trapézio, um pequeno cercado, um balanço e uma gangorra. Era um rapaz de bonita figura. Combinava perfeitamente com Marília, a mais bela da rua. Enquanto um pequeno realejo tocava uma música circense, Anselmo exibia-se. Demonstrava sair de uma caixinha algumas pulgas. O trapézio e a gangorra moviam-se. Ele falava com as pulgas:
- Matilde, Crista, Landa. Saltem, corram, pulem.
O realejo tocava e ele, munido de pequeno chicote, a tudo ordenava com estalos. Marília aplaudia. Pequenos dispositivos à corda moviam os equipamentos. Claudine não esperou o espetáculo acabar. Levantou-se e começou a subir as escadas. Parou no meio. Ele deu um jeito de interromper a música. Sem voltar-se para trás a mulher declarou:
- Espero que o senhor tenha muito sucesso na sua carreira. Bem longe desta casa.
Marília abaixou a cabeça e chorou muitas lágrimas. Ele ajeitou o seu material, guardou tudo em uma grande mala. Aproximou-se da porta. Voltou-se para a amada. Ela chorava compulsivamente.
- Eu sempre vou te amar – foi o que ele disse antes de bater a porta.
Marília nunca mais teve sossego. Começou a sofrer de uma estranha doença e coçava-se sem parar. Dizia haver pulgas por todos os lados. Tiveram que cortar-lhe as unhas e interná-la em uma clínica de repouso para que não arrancasse a pele. Claudine viu algumas vezes um cartaz anunciando um determinado “Circo de Pulgas”. Nunca pensou em procurar Anselmo e libertar a filha. Ela poderia conviver com aquela doença estranha, mas nunca com um genro que tivesse um ofício como aquele.