Três Paixões
Dedico este conto a todos aqueles que tendo as
suas paixões, enfrentam quaisquer situações para cultivá-las.
suas paixões, enfrentam quaisquer situações para cultivá-las.
“Pensamentos viram ações, ações viram hábitos, hábitos viram o caráter e o caráter vira o seu destino.”
Ninguém poderia dizer a Reinaldo que faria uma viagem para qualquer local vizinho ou distante, que logo ele intervinha:
- Poxa, estou indo para lá também! Quer me dar uma carona?
No momento de embarcar, lá vinha o segundo pedido:
- Não quer que eu dirija? Seria um prazer ajudá-lo.
Se o Prefeito precisasse viajar a serviço, mesmo sendo somente o contador da instituição, Reinaldo logo se oferecia para fazer o trajeto, dispensando o profissional encarregado. Com outras autoridades locais era a mesma situação. Se um morador local fosse fazer uma visita, uma consulta com o médico, advogado, engenheiro, ele estava de prontidão; se alguém estivesse doente e precisasse de um motorista, era o deleite do “Rei” - o nome resumido, apelido do nosso personagem.
E assim sempre acontecia. O homem perdia hora no trabalho, levava bronca da mulher, era aconselhado pelos pais, pelos amigos, pelo padre no confessionário, fora até advertido pela polícia, era vítima de ironias. Sair com seu carro não lhe dava o mesmo gosto. Gostava era de acompanhar os conhecidos e servi-los de alguma forma. Passou, assim, a ser conhecido como o “Rei do Volante”.
Reinaldo tinha outro hábito persistente - não podia ver um microfone que pedia a palavra e discursava! Advogado, não exercia a profissão, mas a Faculdade o preparara, dera-lhe conhecimentos que foram ampliados com posterior curso de Filosofia. Ministrava umas aulas à noite na escola local, organizada todos os eventos que comandava com o microfone à mão e o alto-falante em razoável volume. O mesmo ocorria com as festividades da Prefeitura, era o apresentador oficial nos encontros de Folia de Reis, de Congadas, de caminhoneiros, de carros de boi, de desfiles da Semana da Pátria ou festas de aniversário da cidadezinha. Na Igreja fazia leituras, participava das reuniões das pastorais, das comunidades. Enfim, era um cidadão participante, ativo e prestativo, sempre pronto para subir ao palanque, ao palco, ao coreto ou onde quer que fosse o evento - seu título foi ampliado - “Rei do Volante e do Alto-Falante”.
Nosso Rei realmente era um homem de costumes; invariavelmente iniciava sua oratória com as palavras “certa feita...” O colega de Português explicou que a expressão era algo antigo e em desuso. Inconformado com a interferência ele acabou que não somente usou o clichê amado no discurso seguinte, como o prolongou ao traduzir para seu público qual o significado: “tempos atrás, um certo dia” ou “certa vez, em determinada ocasião”. Portanto era correta, tradicional e ele não era afeito a modernismos e, sim, a realismo. Completou ainda:
- O substantivo “feita” caiu mesmo em desuso, tomado isoladamente e na acepção de “ocasião, oportunidade, vez, momento propício”, sobreviveu, porém, nas locuções adverbiais “uma feita”, “de uma feita” e “certa feita”. É assim que está nos dicionários e gramáticas de renome, é assim que uso a palavra!
O colega apenas fizera uma tentativa para que o orador fosse menos repetitivo. Calou-se mediante tamanha convicção. E, também não era somente usado este chavão, em ocasiões mais diversas, eram imagens constantes de suas falas “a mulher vestida de branco”, “o bom pastor” e outras.
Naquela tarde quente de domingo, Rei notou que vários carros, caminhões e ônibus lotados se dirigiam para determinado bairro local. Um veículo desses parou na esquina para fazer a curva fechada e antes que pudesse seguir caminho foi abordado pelo caroneiro.
- Para onde vão todos?
- É inauguração da ponte do Rio Claro.
- Ah! Vou para lá também. Não quer que eu dirija? A estrada não está boa não!
(Não comentamos ainda que o tio de Rei era o atual prefeito, e era da oposição! A ponte era uma obra considerada politicamente importante.)
A festança estava animada. Grande aglomeração de eleitores do prefeito. Foguetório, duplas sertanejas e os discursos já iam adiante. Após a palavra livre. Rei pediu licença e subiu ao palco improvisado na carroceria de um caminhão. Empunhando o microfone:
- Certa feita o sábio Dalai Lama afirmou: “a ponte pode ser um novo amanhecer, um aproximar, um descobrir, um recomeçar, ou apenas uma miragem para a outra margem...”; a letra de uma linda melodia traz: “A ponte não é para ir nem pra voltar. A ponte é somente pra atravessar”. Aqui temos a ponte nova que servirá para o povo, a produção atravessar de um lado para o outro. Mas, e para chegar até a ponte? Não temos estradas nem de lá, nem de cá...
- Desce daí, boca grande! - foi a primeira reação.
- Que petulância! Meu sobrinho vir aqui me desrespeitar. Não foi convidado e vem criticar a minha administração. - gritou o alcaide roxo de raiva, a ponto de enfartar, gesticulando para um auxiliar sacar o microfone das mãos do imprudente orador.
Um grupo de moradores locais, prós e contras a gestão entraram em luta corporal. A polícia precisou agir com rapidez porque já haviam empunhado facas, pedras e pedaços de pau. A gritaria era absurda. Em meio a esse imbróglio, o atrevido Rei tomou outra vez do microfone para completar:
- Vamos deixar de briga! Tudo pode ser resolvido nas próximas eleições! Teremos então estradas para chegar até a ponte.
A confusão se agravou. Foi muito difícil tirar o Rei dali. Havia os que o protegiam, mas em número bem menor dos que o queriam sacrificado. Nos dias seguintes o nosso herói precisou ficar bem quieto dentro de casa. Nem ao trabalho pode ir (era no covil dos inimigos). Aos poucos foram esquecendo...
A coligação de que Reinaldo fazia parte venceu as eleições, graças aos votos do Rio Claro, porque os moradores perceberam nos meses seguintes à inauguração da ponte, que realmente não dava para escoar a produção com as estradas em estado precário. Somente a ponte não solucionava o trânsito no bairro. O tio-prefeito nada fizera, talvez para mostrar que a oposição não poderia sugerir o que era necessário ao seu município.
A política era a terceira paixão do Rei!
- Poxa, estou indo para lá também! Quer me dar uma carona?
No momento de embarcar, lá vinha o segundo pedido:
- Não quer que eu dirija? Seria um prazer ajudá-lo.
Se o Prefeito precisasse viajar a serviço, mesmo sendo somente o contador da instituição, Reinaldo logo se oferecia para fazer o trajeto, dispensando o profissional encarregado. Com outras autoridades locais era a mesma situação. Se um morador local fosse fazer uma visita, uma consulta com o médico, advogado, engenheiro, ele estava de prontidão; se alguém estivesse doente e precisasse de um motorista, era o deleite do “Rei” - o nome resumido, apelido do nosso personagem.
E assim sempre acontecia. O homem perdia hora no trabalho, levava bronca da mulher, era aconselhado pelos pais, pelos amigos, pelo padre no confessionário, fora até advertido pela polícia, era vítima de ironias. Sair com seu carro não lhe dava o mesmo gosto. Gostava era de acompanhar os conhecidos e servi-los de alguma forma. Passou, assim, a ser conhecido como o “Rei do Volante”.
Reinaldo tinha outro hábito persistente - não podia ver um microfone que pedia a palavra e discursava! Advogado, não exercia a profissão, mas a Faculdade o preparara, dera-lhe conhecimentos que foram ampliados com posterior curso de Filosofia. Ministrava umas aulas à noite na escola local, organizada todos os eventos que comandava com o microfone à mão e o alto-falante em razoável volume. O mesmo ocorria com as festividades da Prefeitura, era o apresentador oficial nos encontros de Folia de Reis, de Congadas, de caminhoneiros, de carros de boi, de desfiles da Semana da Pátria ou festas de aniversário da cidadezinha. Na Igreja fazia leituras, participava das reuniões das pastorais, das comunidades. Enfim, era um cidadão participante, ativo e prestativo, sempre pronto para subir ao palanque, ao palco, ao coreto ou onde quer que fosse o evento - seu título foi ampliado - “Rei do Volante e do Alto-Falante”.
Nosso Rei realmente era um homem de costumes; invariavelmente iniciava sua oratória com as palavras “certa feita...” O colega de Português explicou que a expressão era algo antigo e em desuso. Inconformado com a interferência ele acabou que não somente usou o clichê amado no discurso seguinte, como o prolongou ao traduzir para seu público qual o significado: “tempos atrás, um certo dia” ou “certa vez, em determinada ocasião”. Portanto era correta, tradicional e ele não era afeito a modernismos e, sim, a realismo. Completou ainda:
- O substantivo “feita” caiu mesmo em desuso, tomado isoladamente e na acepção de “ocasião, oportunidade, vez, momento propício”, sobreviveu, porém, nas locuções adverbiais “uma feita”, “de uma feita” e “certa feita”. É assim que está nos dicionários e gramáticas de renome, é assim que uso a palavra!
O colega apenas fizera uma tentativa para que o orador fosse menos repetitivo. Calou-se mediante tamanha convicção. E, também não era somente usado este chavão, em ocasiões mais diversas, eram imagens constantes de suas falas “a mulher vestida de branco”, “o bom pastor” e outras.
Naquela tarde quente de domingo, Rei notou que vários carros, caminhões e ônibus lotados se dirigiam para determinado bairro local. Um veículo desses parou na esquina para fazer a curva fechada e antes que pudesse seguir caminho foi abordado pelo caroneiro.
- Para onde vão todos?
- É inauguração da ponte do Rio Claro.
- Ah! Vou para lá também. Não quer que eu dirija? A estrada não está boa não!
(Não comentamos ainda que o tio de Rei era o atual prefeito, e era da oposição! A ponte era uma obra considerada politicamente importante.)
A festança estava animada. Grande aglomeração de eleitores do prefeito. Foguetório, duplas sertanejas e os discursos já iam adiante. Após a palavra livre. Rei pediu licença e subiu ao palco improvisado na carroceria de um caminhão. Empunhando o microfone:
- Certa feita o sábio Dalai Lama afirmou: “a ponte pode ser um novo amanhecer, um aproximar, um descobrir, um recomeçar, ou apenas uma miragem para a outra margem...”; a letra de uma linda melodia traz: “A ponte não é para ir nem pra voltar. A ponte é somente pra atravessar”. Aqui temos a ponte nova que servirá para o povo, a produção atravessar de um lado para o outro. Mas, e para chegar até a ponte? Não temos estradas nem de lá, nem de cá...
- Desce daí, boca grande! - foi a primeira reação.
- Que petulância! Meu sobrinho vir aqui me desrespeitar. Não foi convidado e vem criticar a minha administração. - gritou o alcaide roxo de raiva, a ponto de enfartar, gesticulando para um auxiliar sacar o microfone das mãos do imprudente orador.
Um grupo de moradores locais, prós e contras a gestão entraram em luta corporal. A polícia precisou agir com rapidez porque já haviam empunhado facas, pedras e pedaços de pau. A gritaria era absurda. Em meio a esse imbróglio, o atrevido Rei tomou outra vez do microfone para completar:
- Vamos deixar de briga! Tudo pode ser resolvido nas próximas eleições! Teremos então estradas para chegar até a ponte.
A confusão se agravou. Foi muito difícil tirar o Rei dali. Havia os que o protegiam, mas em número bem menor dos que o queriam sacrificado. Nos dias seguintes o nosso herói precisou ficar bem quieto dentro de casa. Nem ao trabalho pode ir (era no covil dos inimigos). Aos poucos foram esquecendo...
A coligação de que Reinaldo fazia parte venceu as eleições, graças aos votos do Rio Claro, porque os moradores perceberam nos meses seguintes à inauguração da ponte, que realmente não dava para escoar a produção com as estradas em estado precário. Somente a ponte não solucionava o trânsito no bairro. O tio-prefeito nada fizera, talvez para mostrar que a oposição não poderia sugerir o que era necessário ao seu município.
A política era a terceira paixão do Rei!