Louco, mas Inteligente



 
          Dedico este conto a todos aqueles que tendo uma inteligência prática, conseguem resolver seus problemas de forma inusitada; são espertos e conseguem viver com alegria. Este texto faz parte da série “Cada Um na Sua”, com personagens que usam sabedoria popular ou a empatia encantadora para se livrar de situações embaraçosas.
 
“Antes calar que com doidos altercar.”




          Onze horas. Sol a pino. O gol prata estaciona na praça da cidadezinha. O pessoal que conversava na calçada deu as informações que o forasteiro pediu. Este seguiu até o local indicado.

          - Boa tarde! É o senhor Delegado?

           - Boa tarde! Sim senhor. Quem quer saber?

        - Estou comprando umas terrinhas do Zé Paraná e ele disse que o senhor me mostraria onde ficam. Ele tem uma fazenda grande, não é? Quero ver só um dos sítios, aquele perto da Serra do Forno, do outro lado do açude, é para pasto. O seu Zé vem para cá no final do mês e aí terminamos o negócio e passamos a escritura, se eu gostar do local.

          - Ahn! Como o senhor conheceu nosso fazendeiro?

         - Nós dois nos encontramos no hospital psiquiátrico perto de Franca. A gente ia visitar uns doentes lá. Ele é muito bom vendedor... até acabamos fazendo negócios por ali mesmo.

        - É... não sei como lhe dizer... mas, ele não era bem um visitante do hospício. Está em tratamento lá e por conta do Estado porque não tem onde cair morto. De fato, o Zé já foi muito bem de vida. Lá no Paraná... daí o apelido. Teve fazenda, gado, casa boa, dinheiro. Ficou doente e foi perdendo tudo. Agora, passa uma fase bem, fica quieto dentro da casa de um parente que o acolheu quando voltou de Maringá. Mal conversa e fica montando cestos de palha. Em outra fase fica muito agitado, vira um grande negociante, fica muito rico. É simpático, bom de prosa e acaba convencendo gente como o senhor... ahn... no bom sentido! Acho melhor que não tenha feito nenhum pagamento a ele, senão nunca mais vai ver este dinheiro.

          Não sabemos se de verdade ou de vergonha por ter sido enganado dessa forma, o comprador desconhecido entrou no seu carro e foi embora para nunca mais voltar... Dar queixas, abrir processo... como?

          Dali uns tempos Zé Paraná voltou para a cidade, enfiou-se na casa do primo e montou uma centena de cestas de palha. Se chegasse alguma visita ali, não conversava com ninguém, escondia-se no fundo do quintal... Até que um dia acordou mais disposto. Já conversou bastante com a vizinhança e em poucos dias já estava na porta do Banco oferecendo dinheiro emprestado. Ou, na praça, tentando vender ou comprar gado, café, terras... Estavam até desmontando uma usina local cujas peças haviam sido vendidas para uma empresa do Mato Grosso; nosso herói andava para lá e para cá indicando as pesadas carretas e pregando que levavam aquelas turbinas para sua usina em outra região.

         Era fácil acreditar nele, quem não o conhecesse. Alto, magro, bem apessoado. Roupas boas, apesar de ser vestido da caridade. Tinha boa dicção, deve ter estudado já que usava a língua com correção, bom vocabulário e, sobretudo, era seguro, simpático e convincente.

        Ficando cada vez mais perturbado e solto pela cidade, ninguém conseguindo controlá-lo foi colocado em uma cela na cadeia. Mesmo através das grades das janelas continuava seus negócios, aos gritos, noite e dia. Ensinava muitas manhas para a criançada ao redor... Chegou até a dar cobertura para um fugitivo da cadeia, se não foi ele mesmo que planejou a fuga. Sentia muita pena daquele coitado ali preso, afastado da família. Divertia todos que o conheciam... porém a preocupação era maior.

          As autoridades decidiram que ele seria enviado mais uma vez para um hospital apropriado. O coitado não poderia ficar sem um tratamento. Não era cristão deixá-lo assim.

            - Eu só vou se for acompanhado pelo Cabo Antenor... Ele é meu amigo, não me humilha... E tem mais. Não pode ir fardado porque as outras pessoas vão pensar que sou criminoso. Não sou bandido!

        Organizou-se tudo. Os documentos necessários. O lanche da viagem. Umas roupas doadas pela comunidade. E, nosso homem, protegido pelo oficial sem uniforme, tomou o ônibus para a capital.

            O saguão do hospital estava repleto quando chegaram. Depois de um bom tempo na espera, Cabo Antenor precisou sair um instante para o sanitário, deixando a mochila na cadeira ao lado de Zé. Não é que neste momento chamaram pelo nome do oficial. E lá chegou ao balcão o doente:

       - Sou o Cabo Antenor e tenho aqui uma carta de encaminhamento para o meu acompanhante que está no banheiro. Ele vai dar um pouco de trabalho porque tem mania de dizer que é soldado. Para que ele viesse mais calmo, deixei que pensasse e até comentasse com outros na viagem que ele estava me acompanhando e que eu é que sou doido. Nem estou usando a farda. Podem pegar o homem!

       O verdadeiro militar logo é levado para o interior do hospital enquanto tentava se explicar; mas quanto mais se exaltava, mais era pressionado. Somente bem mais tarde, já com algum medicamento, deu uns telefonemas e conseguiu ajuda para resgatar os documentos com o nosso maluco que, felizmente ficara por ali apreciando os resultados de sua arte. Assim Cabo Antenor voltou para sua cidade e Zé Paraná passou outra temporada no hospital.
Fheluany Nogueira
Enviado por Fheluany Nogueira em 17/11/2015
Reeditado em 07/03/2016
Código do texto: T5452056
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