TOU DIZENDO SÓ POR DIZER

Antigamente não existia supermercado, existia bodega, nela você comprava corda, cordão, linha nylon, papel de carta, selo, sabão em retalho... Não existia supermercado, existia bodega e de tudo tinha um pouco: querosene, pavio, lamparina, feijão, carne seca e alho. Doce de goiaba, queijo de qualho, serrote, cocorote, alfinim e bolacha preta... As compras eram anotadas nas cadernetas e na calçada ficava exposto os baldes, os balaios, as gaiolas, as enxadas e os garajais. Pra menino traquino se vendia pipa, papagaio, bola, pião, álbum de figurinha, bila, pastilha, cavalo de talo, chupeta, máscara do drácula, roladeira, rolamento, martelo, prego e tinta. Tinha também farelo, milho, ração, comida de passarinho, pinga pra cabra macho e muita conversa jogada fora...

Na bodega se achava a brilhantina, a lâmina e a navalha! Um dedal de água de cheiro, sabão em barra e anil... Comprava-se uma bucha de bombril, uma caixa de fósforo, mei pacote de macarrão, um quarto de bolo, mei quilo e meia libra de carne, um ou dois ovos, rapadura, carolina e chiclete... agulha, linha, tesoura e corte de fazenda, antigamente, quando não existia supermercado, existia apenas bodega, todas as novidades se sabia por lá: o homem que levou chifre e afogou as mágoas na cana, a mulher fujona e a que costurava pra fora, a folga do amante, o rapaz mais falante e a mulher mais cogitada... Sabia-se da filhada danada, do pai espoleta e da mãe alcoviteira, do presente do padre, do tempeiro da mulher da quitanda, do remédio pra lombriga, porque na bodega tinha chá de cidreira, de pepaconha, de boldo e capim Santo, as novas invenções, as pílulas de dor de cabeça, a moleta, o pote, a broa e a vassoura... Lá também tinha a teia de aranha, a poeira acumulada na mercadoria, a ratazana e sua ninhada, o refrigerante e a bolacha sete capa, a revista da moda, a limonada, a cocada e os produtos importados. Antigamente não, não existia supermercado, existia bodega e lá se vendia boneca de pano, boneca de plástico, vestido rendado, qualhada, batata, macaxeira e maxixe, leite de litro ou de garrafa, conceito, cordel, sarapatel, buchada, mão de vaca, papelada, pão de milho, fígado e tamborete, se vendia o bilhete da sorte, o jogo do bicho e o fumo trevo. O dono da venda acordava cedo, antes do canto do galo, não era assombração, mas tinha de receber o pão fresco, tinha que agradar o freguês, mas quando este era esperto, o espetáculo era certo porque se comprava fiado e se pagava por mês... Não existia supermercado, existia bodega, a vida era difícil, mas até ela se podia comprar por lá, oferecida por qualquer vintém, na boca de um Zé Ninguém que levava a vida reparando a vida de cidadãos e cidadãs de bem.