Tonico seguia a passos lentos em direção ao riacho que ficava na divisa do sítio de sua mãe com a fazenda do coronel Ramires. Havia percorrido esse mesmo caminho milhares de vezes. Na beira do córrego descansava da lavoura, nadava para se refrescar nos dias de calorão, pescava alguns poucos lambaris, apanhava rãs para assustar a prima, enfim era trajeto costumeiro e agradável. Desta vez ia a mando da mãe. Dona Zú (Zulmira era o nome), mas todos a conheciam por Dona Zú. Pedira ao filho para ir ao outro lado do riacho, na fazenda do senhor Ramires, cortar alguns bambus grossos que serviriam para levantar o varal de roupas e outros para conserta os buracos na cerca do galinheiro. Tonico ia aproveitar para escolher umas varas novas para pescar.
Com destreza atravessou o córrego a nado levando na boca o facão que a mãe lhe confiara com inúmeras recomendações de cuidado. Não que precisasse nadar, o córrego era raso e dava para passar tranquilamente a pé. O certo é que Tonico assistira a um filme onde o “mocinho” nadava com uma faca entre os dentes buscando encontrar um valioso tesouro: ficara impressionado, e sempre que podia imitava a cena imaginando ser o grande herói que valentemente ia salvar a sua amada. Assim que chegou ao bambuzal iniciou o corte das taquaras para atender ao solicitado pela mãe.
O coronel Ramires vendo o garoto aproximou-se e, como não fora percebido por Tonico, resolveu dar-lhe um susto. Aguardou em silêncio atrás de uma moita e quando Tonico golpeou um bambu bem grosso, Ramires, com as mãos em concha sobre a própria boca deu um berro pavoroso.
Tonico largou bambu, facão, corda e disparou numa carreira em direção ao riacho. Foi quando ouviu o coronel Ramires rindo e gritando por seu nome. Percebendo que havia sido enganado resolveu voltar e dar o troco...
Foi para perto do coronel e meio desenxabido e amarelo, jurou tê-lo visto logo que chegara e não fora ele o coronel que o assustara. O que o assustara fora o que saiu de dentro do bambu quando finquei o facão no primeiro gomo rente ao chão. Saiu uma fumaça fedorenta, e no meio, de touca vermelhinha, um sacizinho bravo como o quê! Me olhou com muita raiva e gritava: Quem mexeu no meu bambu? Quem mexeu no meu bambu?  Quase morro de pavor... Não sabia que estava bulindo na casa dele. Juro... Por isso corri.
Percebendo que o velho Ramires ficara intrigado, continuou...
- Vamos lá coronel ver se não machuquei o pobre.
- Qual filho? Onde se viu saci. Deixe os coitados em paz...  Sabe do que mais, estou atrasado para a missa. E vê se para de arrancar meus bambus.
Tonico se afastou com um sorriso matreiro nos lábios saboreando a ingênua vingança. Quando se aproximava do riacho arrastando atrás de si os bambus cortados ouviu risadas fininhas e sapecas, bem às suas costas. Virou-se assustado e viu de relance um bando de sacis que pulavam das taquaras que arrastava e saltitando corriam para o meio do bambuzal... Imaginem a carreira!
Dona Zú só não ficou sem os suportes para o varal porque o coronel lhe mandou uns canos de PVC bem resistentes em substituição às taquaras. A mando do coronel Ramires o bambuzal foi todo cercado e agora é proibido arrancar qualquer vara por ali. Quanto a Tonico, até hoje não conseguiu explicar para a mãe onde perdeu o facão e muito menos porque perdeu o interesse em pescar e nadar no córrego.
O certo é que quem estiver na beira do riacho em dia de vento forte, houve uns barulhos bem estranhos vindos do bambuzal. O coronel Ramires diz ser as taquaras que balançadas pelo vento roçam umas nas outras e provocam uma espécie de assovio. Mas Tonico conhece muito bem aquelas risadas fininhas e sapecas...
 
Claudio De Almeida
Enviado por Claudio De Almeida em 22/09/2015
Reeditado em 05/10/2015
Código do texto: T5390761
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