Ajuda Inesperada
Hilário observava os empregados na lida. Secador moderno. O café, em pouco tempo estaria ensacado e encaminhado para a Cooperativa. Lá do alto da serra podia avistar três cidades vizinhas e pelas encostas próximas os muros verdes de cafezais. Estava na Zona da Mata no Sul de Minas. Ele orgulhava-se da propriedade. O pai o ensinara a administrar a fazenda. Porém nem sempre fora assim. Aquela velha história não lhe saía da cabeça. Tudo acontecera ali mesmo, nas abas da próspera cidadezinha, havia mais de meio século; para ele parecia que havia sido ontem.
O menino espiava o terreiro de chão batido com os grãos espalhados em camada fina. Viria uma chuva pesada. Feriado, nenhum empregado. O pai passara a tarde no boteco com amigos. Já era uma hora da madrugada e ele acabara de chegar. Com a voz pastosa acordara o filho:
- Vá enleirando o café. Faça leiras maiores no sentido do declive do terreiro!! Já vou ajudar você! Já está moço e pode ser de valia. O café não pode molhar! Ainda temos que cobrir tudo com lona! Vamos! Vamos! A chuva está perto! Vá indo na frente e fazendo o serviço.
O menino tremia a cada relâmpago. O vento soprava forte revolvendo os cabelos lisos. Fincava as finas pernas com força no chão. Não sabia por onde começar, mas precisava fazê-lo. A surra seria certa. O pai era bravo e ainda bebera um vinho de jurubeba. Será que viria logo para pegar o outro rodo. Era tanto café! Não daria conta sozinho...
O garoto começou a rodar os pesados grãos com toda a energia que sua magreza permitia. Se o pai não viesse logo, tomaria uma sova e tanto. Era labuta para até o dia amanhecer. E a chuva? Estava confuso... Conseguiria cobrir a colheita...
Foi quando ouviu uma cantarola do outro lado do terreiro. Estreitou os olhos para ver melhor. A ventania trouxera poeira. O pai já havia feito uma grande leira? Não, não era o pai. Mais baixo e troncudo aquele. O pai também não estava para cantigas...
Chegou mais perto...
- Quem é o senhor?
- Vim ajudar o menino. Vamos lá... Já, já está tudo pronto.
A voz carinhosa voltou para a música desafinada. A presteza e agilidade não condiziam com o velho. Parecia ter motores nos pés e braços. Até o menino ganhou forças, mas mesmo assim, nosso misterioso ajudante amontoava o quádruplo, o quíntuplo de café que ele...
Em menos de uma hora, a criança voltou para a cozinha da casa não muito distante do terreiro. Os primeiros pingos caíam grossos. O pai, que cochilara na velha cadeira de balanço, despertou esbravejando:
- Que é isso? Como já está aqui? E o café? A chuva vai estragar tudo... Ah se arder este café... Não deu tempo de amontoar tudo... E você já veio embora por causa de uns pinguinhos... Dormi sem querer... Vamos lá terminar... Ainda dá tempo...
- Não, pai, nós já enleiramos e cobrimos tudo. Não vai molhar nada!
- Como “nós”? Quem ajudou você?
- Oras! o homem que o senhor mandou! O velhote é muito bom de serviço! Engraçado, parece que o aguaceiro estava esperando a gente terminar. Pode ficar tranquilo e ir para a cama dormir o resto da noite.
- Como assim? Não mandei ninguém. Você está mentindo e não deu tempo de fazer nada. Vamos lá ver. Era trabalho de umas três ou quatro horas para uns dois terrereiros dos bons. Agora um menino de doze anos e um velhote, como você diz, não dariam conta da tarefa em uma hora...
O homem pegou um guarda chuva no canto da dispensa e saiu arrastando o filho pela mão. Chocado viu toda a colheita organizada com precisão. As leiras viradas como deveriam, cobertas com o plástico preto. Os montes de café mais adiantados na secagem também vedados. Nem ele faria tudo tão de acordo.
- E como pagou o velho?
- Ele disse que não precisava que devia isto para o senhor. Convidei-o para a casa para não tomar chuva e ele agradeceu. Não entendi. O velho disse que estava livre das coisas deste mundo. Não entendi!
- Como ele era?
- Ih! Não sei explicar. Mas era meio parecido com o tio Tonho.
Nos dias seguintes era só este o comentário na família e na vizinhança. O acontecido era um mistério. O menino recontava a história, descrevia o ajudante... O pai continuava bravo, talvez envergonhado pela tarefa que dera ao filho, por tê-lo abandonado no serviço.
No domingo, todos foram à casa da avó. Almoçaram. Frango caipira no fogão a lenha. Comeram o doce. Tomaram o cafezinho. Ouviram rádio. E... a avó trouxe a velha caixa de fotos amarelecidas. Cada um via uma delas e passava para o outro...
- Pai!! Olha o velhote que me ajudou no terreiro! É nosso parente! Por isso não cobrou. Por que nunca o conheci?... Aqui, vó, pai...
- Não pode ser! É o seu avô! Faleceu faz vinte anos, antes que você nascesse. Seu pai devia ter a sua idade...
- Foi ele mesmo. Certeza!!!!
Hilário vivia matutando aquelas lembranças!
O menino espiava o terreiro de chão batido com os grãos espalhados em camada fina. Viria uma chuva pesada. Feriado, nenhum empregado. O pai passara a tarde no boteco com amigos. Já era uma hora da madrugada e ele acabara de chegar. Com a voz pastosa acordara o filho:
- Vá enleirando o café. Faça leiras maiores no sentido do declive do terreiro!! Já vou ajudar você! Já está moço e pode ser de valia. O café não pode molhar! Ainda temos que cobrir tudo com lona! Vamos! Vamos! A chuva está perto! Vá indo na frente e fazendo o serviço.
O menino tremia a cada relâmpago. O vento soprava forte revolvendo os cabelos lisos. Fincava as finas pernas com força no chão. Não sabia por onde começar, mas precisava fazê-lo. A surra seria certa. O pai era bravo e ainda bebera um vinho de jurubeba. Será que viria logo para pegar o outro rodo. Era tanto café! Não daria conta sozinho...
O garoto começou a rodar os pesados grãos com toda a energia que sua magreza permitia. Se o pai não viesse logo, tomaria uma sova e tanto. Era labuta para até o dia amanhecer. E a chuva? Estava confuso... Conseguiria cobrir a colheita...
Foi quando ouviu uma cantarola do outro lado do terreiro. Estreitou os olhos para ver melhor. A ventania trouxera poeira. O pai já havia feito uma grande leira? Não, não era o pai. Mais baixo e troncudo aquele. O pai também não estava para cantigas...
Chegou mais perto...
- Quem é o senhor?
- Vim ajudar o menino. Vamos lá... Já, já está tudo pronto.
A voz carinhosa voltou para a música desafinada. A presteza e agilidade não condiziam com o velho. Parecia ter motores nos pés e braços. Até o menino ganhou forças, mas mesmo assim, nosso misterioso ajudante amontoava o quádruplo, o quíntuplo de café que ele...
Em menos de uma hora, a criança voltou para a cozinha da casa não muito distante do terreiro. Os primeiros pingos caíam grossos. O pai, que cochilara na velha cadeira de balanço, despertou esbravejando:
- Que é isso? Como já está aqui? E o café? A chuva vai estragar tudo... Ah se arder este café... Não deu tempo de amontoar tudo... E você já veio embora por causa de uns pinguinhos... Dormi sem querer... Vamos lá terminar... Ainda dá tempo...
- Não, pai, nós já enleiramos e cobrimos tudo. Não vai molhar nada!
- Como “nós”? Quem ajudou você?
- Oras! o homem que o senhor mandou! O velhote é muito bom de serviço! Engraçado, parece que o aguaceiro estava esperando a gente terminar. Pode ficar tranquilo e ir para a cama dormir o resto da noite.
- Como assim? Não mandei ninguém. Você está mentindo e não deu tempo de fazer nada. Vamos lá ver. Era trabalho de umas três ou quatro horas para uns dois terrereiros dos bons. Agora um menino de doze anos e um velhote, como você diz, não dariam conta da tarefa em uma hora...
O homem pegou um guarda chuva no canto da dispensa e saiu arrastando o filho pela mão. Chocado viu toda a colheita organizada com precisão. As leiras viradas como deveriam, cobertas com o plástico preto. Os montes de café mais adiantados na secagem também vedados. Nem ele faria tudo tão de acordo.
- E como pagou o velho?
- Ele disse que não precisava que devia isto para o senhor. Convidei-o para a casa para não tomar chuva e ele agradeceu. Não entendi. O velho disse que estava livre das coisas deste mundo. Não entendi!
- Como ele era?
- Ih! Não sei explicar. Mas era meio parecido com o tio Tonho.
Nos dias seguintes era só este o comentário na família e na vizinhança. O acontecido era um mistério. O menino recontava a história, descrevia o ajudante... O pai continuava bravo, talvez envergonhado pela tarefa que dera ao filho, por tê-lo abandonado no serviço.
No domingo, todos foram à casa da avó. Almoçaram. Frango caipira no fogão a lenha. Comeram o doce. Tomaram o cafezinho. Ouviram rádio. E... a avó trouxe a velha caixa de fotos amarelecidas. Cada um via uma delas e passava para o outro...
- Pai!! Olha o velhote que me ajudou no terreiro! É nosso parente! Por isso não cobrou. Por que nunca o conheci?... Aqui, vó, pai...
- Não pode ser! É o seu avô! Faleceu faz vinte anos, antes que você nascesse. Seu pai devia ter a sua idade...
- Foi ele mesmo. Certeza!!!!
Hilário vivia matutando aquelas lembranças!