OS CAUSOS E CONTOS QUE MINHA VÓ CONTAVA:

OS CAUSOS E CONTOS QUE MINHA VÓ CONTAVA:

UMA TARDE FRIA DE AGOSTO.

Aquele xale preto sobre os ombros emolduravam os cabelos brancos qual neve que bem arrumados, sobressaia-se um coque a dar um toque especial naquele rosto que expressava ternura e firmeza; seu olhar penetrante e inquiridor às vezes irônico denotava toda uma história de vida rica em experiências e conhecimentos adquiridos em tempos difíceis de revoluções e embates que presenciara através de longos tempos.

A carga pesada da cavalaria. O tropel dos cavalos que faziam os verdes campos dos pampas tremerem; assim ela contava. Acontecera lá pelas bandas de Bagé, perto de Pinheiro Machado, naquele tempo pequena vila de estancieiros criadores de gado, homens rudes acostumados a garrotear os novilhos nas invernadas frias e solitárias daqueles horizontes sem fim onde toda a pujança da natureza explodia num verde infinito a perder-se nas distancia que olhar podia alcançar.

Tudo começara dizia ela por causa de Dolores, a ninfa dos olhos cor de anil e cabelos cacheados da cor do sol ao entardecer.

Rodrigo, peão de Seu Onofre, velho estancieiro dono de vastos campos e mais de dez mil cabeças de gado espalhados por suas imensas propriedades, progenitor da única filha que tivera com Maria do Rosário, já falecida vitimada pela febre Espanhola, era seu único alento e motivo de continuar vivo e na lida a construir para ela sua única herdeira, um patrimônio considerável que não parava de crescer.

Ele, Rodrigo chegara ali há uns dois anos aproximadamente, Negro forte, um metro e oitenta, ex-combatente das tropas de Zeca Neto, já não era nenhum guri, deveria ter lá seus quarenta e poucos anos, mas impressionava por sua aparência elegante e respeitosa, de poucas palavras, mas com um olhar que dispensava a fala, fosse para impor respeito ou para espalhar confiança a sua volta por onde passava.

No inicio, apenas a curiosidade da menina moça pelo belo e misterioso negro que a fazia suar ao vê-lo de dorso nu na lida da fazenda nos dias de sol abrasante a castigar o pasto mesmo no frio agosto daqueles invernos sulinos, onde o vento minuano corta a carne dos viventes feito açoite. Mas o Negro Rodrigo sempre suava quando exposto ao sol e sua pele de ébano reluzia a gotejar o suor parecendo um céu estrelado em noites sem lua.

Aquela visão mais fruto da fantasia menina, de Dolores, a fazia tremer e a ter sensações e pensamentos inconfessáveis. Fora criada solta naqueles campos verdejantes a correr léguas e léguas no dorso do Alazão Ligeiro, presente que recebera de um rico fazendeiro a quem o pai a havia prometido ao filho do mesmo quando ela completou quinze anos; para selar o compromisso como era de praxe na época o interessado no caso o futuro sogro presenteava a pretendida com um belo presente e no caso foi aquele belo potro que se tornara o melhor companheiro de andanças da bela e fogosa menina.

Hoje já há faltar poucos dias para alcançar à maioridade a bela Dolores, ainda intocada pelas mãos de um homem de verdade, viajava em seus sonhos eróticos fruto de suas noites longas e solitárias a devorar toda literatura que lhe caia as mãos naquele lugar onde o contato com outras pessoas eram esporádicos e raros; davam-se às vezes nas poucas festas que aconteciam no salão da pequena igreja do vilarejo em ocasiões especiais, quase sempre em festas santeiras onde a maioria dos frequentadores eram senhores bonachões e senhoras pias que apenas se importavam em comer e trocar novidades entre si, os jovens que lá compareciam além de poucos nunca despertaram o interesse de Dolores.

Rogerio o seu prometido e compromissado através dos arranjos dos Pais, lá não residia, pois fora para a capital estudar agronomia e ainda não concluíra os estudos e só uma vez num fim de ano ficou conhecendo-o e não simpatizara nada com o rapaz que lhe pareceu esnobe e frívolo o perfeito janota que vivia à custa do pai rico que lhe proporcionava uma vida de fausto e esbornia na capital a titulo de estudar e virar doutor.

Tudo se precipitaria tal qual tragédia anunciada por casandras gregas como na mitologia, aquela atração e encanto estaria a deixar um rastro na história daquele lugar, com certeza.

Rodrigo, havia se tornado o braço direito de seu Onofre, que depositara naquele Negro discreto e serio sua total confiança, fazendo-o capataz de sua fazenda e de certa forma protetor e amigo seu e de sua filha amada.

Por sua vez Rodrigo, nunca desmerecera a confiança depositada e era fiel a seu patrão e hoje amigo, Onofre. Quanto à menina Dolores tinha um carinho todo especial e a respeitava como se sua filha ou irmã fosse.

Mas os cordéis dos destinos já estavam traçados; e foi no ultimo dia do mês de agosto que tudo aconteceu.

Dolores parara o seu Alazão Ligeiro sob as copas da velha figueira para ali descansar da longa cavalgada que havia dado naquela manhã nublada e fria. Rodrigo que por ali procurava uma res desgarrada a avistou ao longe e foi ver o que se passava com a menina Dolores.

Ao chegar à figueira lá viu Dolores deitada na relva húmida sobre o pelego de sua montaria, nunca Rodrigo a tinha visto daquela maneira, pois sempre evitara maior aproximação com a linda Dolores, talvez por temer a reação da sua libido diante de tanta formosura. Mas naquele lugar, naquele momento, toda a timidez e medo deram lugar à sensualidade que o envolveu e a dirigir-se a menina para acorda-la do sono reparador em que ela se encontrava, Rodrigo estendeu-lhe a mão e ao toca-la sentiu um calor subir-lhe ao rosto já suado pelo nervosismo e desejo que o possuía. Dolores ao acordar e sentir aquela mão máscula com que já sonhara tantas vezes inconfessadamente teve um arrepio de prazer e jubilo e sem maiores pudores encostou-se ao corpo forte e negro com que tanto sonhara em noites insones e transbordando de desejo tomou a iniciativa do contato e do primeiro beijo.

A força dos sentidos conspirava naquele momento qual força incontrolável da natureza prodiga que os rodeava e o tempo parou e dali para frente seus corpos em uníssimo completaram-se e viveram todos os prazeres possíveis, aquela pele negra e nua se envolvia em caricias suaves e prazerosas com a alva pele antes intocada e os Deuses do Olimpo naquele momento magico tiveram inveja daqueles dois mortais que ali se amavam.

O destino traçara sua própria história, dali para frente os homens a iriam modificar, para os amantes e apaixonados o medo não existe. Rodrigo e Dolores passaram a viver intensamente a paixão desenfreada que surgira qual tempestade incontrolável o senso de perigo desaparecera, daquelas duas criaturas lindas e fortes; mas a inveja, intolerância, preconceitos fez do ódio e da ira o desencadeamento da fúria dos retrógados e maldosos o estopim da tragédia anunciada.

Seu Jeremias pai de Rogerio foi quem comandou a barbárie, pois mais que seu Onofre que mesmo se sentindo ofendido pela pseud. traição de seu capataz Rodrigo ao ter tido um relacionamento com sua adorada filha, não era homem de maus princípios e o sofrimento das perdas o fazia bastante tolerante para a época vivida e seria com certeza com o passar do tempo vir a perdoar os dois amantes e compreender com certeza que o amor de dois seres não conhece barreiras; assim pensava realmente.

Mas os intolerantes não perdem tempo e dessa feita o rico fazendeiro que aspirava aumentar suas posses com o casamento do filho e Dolores sentiu-se na obrigação de tomar as dores de ofendido e vingar todas suas frustrações no negro Rodrigo que tivera a petulância de amar a linda e branca Dolores que lhe correspondia a esse amor.

Após o acontecido vir a publico e toda a região ter tomado conhecimento do ocorrido, as opiniões se dividiam mesmo numa época onde a intolerância e o racismo imperavam, os pros e os contras o romance de Rodrigo e Dolores tomaram uma dimensão perigosa para os poderosos da época e em suas mentes distorcidas o plano de eliminar o “mal” pela raiz começou a tomar forma e ser preparado.

Seu Jeremias e alguns outros fazendeiros resolveram arregimentar um bando de capangas e dar uma lição no negro atrevido e naquela noite chuvosa o puseram em pratica.

Rodrigo e Dolores havia já há algum tempo assumido seu relacionamento e passaram a viver juntos num pequeno sitio de onde tiravam seus sustento após seu Onofre a ter rejeitado como filha. E ali os dois viviam em relativa paz, com Dolores a esperar o seu pequeno Benedito; assim se chamaria o fruto daquele amor devastador que surgira sob as folhagens daquela velha figueira o do olhar complacente dos quero quero e cantos do sabias.

Rodrigo acordou com o tropel dos cavalos e chamou ainda meio sonolento por Dolores, foram para a varanda da pequena casa e de lá avistaram diversos cavalheiros e suas montarias em galope em direção ao sitio, todos encapuzados e com rifles em punho. Numa tentativa de proteger Dolores, Rodrigo saiu para campo aberto e mesmo desarmado, pois não atinara de pegar sua arma de caça que mantinha sempre a mão, sentiu o primeiro impacto no lado direito do peito forte e afeito a tantas batalhas, Dolores desesperada entrou na casa e foi buscar a arma para que seu amado ainda pudesse se defender da covarde investida, mas foi em vão outros tiros espocaram e Rodrigo foi atingido varia vezes e caiu numa poça de sangue, Dolores não derramou uma lagrima nem deu nenhum grito e ajoelhada ao lado do seu homem empunhou o rifle e atirou varias vezes e ainda teve força para carregar seu amor negro para dentro de casa e de lá ofereceu resistência enquanto pode aos algozes, mas não resistiu por muito tempo, pois foi também atingida e ali morreu em defesa do seu amor, que a partir daquele momento se tornaria eterno.

Minha vó terminou este relato com lagrimas nos olhos e simplesmente nos contou que até hoje naqueles campos e redondezas os pássaros não cantam mais nem fazem seus ninhos e a velha figueira que a tudo presenciou não da mais frutos como se fora um protesto da natureza contra a intolerância humana.

Valmirolino.

valmirolino
Enviado por valmirolino em 09/08/2015
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