O PORQUÊ DO URUBU TER O PESCOÇO PELADO

O velho pescador fazia o estilo de tempos idos, mas também fazia o estilo do seu tempo, a todos sabia agradar, tinha sempre uma palavra amiga para as horas difíceis, nunca se negara ajudar o próximo, nisto era bem cristão. Seu nome, Reco, era conhecido na região onde nascera e vivera desde a infância, tinha muitos amigos, entre os seus e os de fora, não tinha dificuldade nenhuma em fazer amizades. Era exímio contador de causos. Aos domingos, antes de visitar a vizinhança fazia o estilo de comandante de marinha, vestia-se de uniforme branco encimado por um esmerado quepe de capitão que ostentava a sua fronte o emblema do marinheiro, aos domingos fazia o estilo do capitão Vasco Moscoso de Aragão, o famoso personagem de Jorge Amado na novela "Os Velhos Marinheiros". Era bem capaz de se tivesse oportunidade praticar o mesmo ato, comandar um navio de grande calado sem nunca tê-lo feito ou sequer ter instrução para isso. Reco tinha a graça do pescador e a força do marinheiro.

Era amante do mar a quem atribuía não ter cabelo. Jamais negligenciou no seu ofício e sempre o desempenhou com amor, tanto que, ao longo de sua história registrou na memória inúmeros casos que ao serem contados transformavam-se em causos. Como se sabe pescador conta causos que em geral se reporta ao tamanho dos peixes fisgados ou aos misteriosos deuses do mar, sem falar nas mais diversas assombrações de quem dizem serem testemunhas. Reco não sabia apenas histórias do mar, sabia também estórias que ouviu contar, de modo que o causo que a partir daqui passo a contar não é estória de pescador, mas antes, a "estória de ouvi contar de um seu amigo" que começa assim:

- Amigo sente aqui e me deixe falar que eu vou lhe contar uma estória que ouvi contar do porquê do urubu ter o pescoço pelado.

Segundo Reco, certa vez um displicente eqüino resolveu deitar-se de forma inconveniente para relaxar de modo que a sua calda fazia um ângulo de 90 graus em relação a sua coluna vertebral, expondo de forma descuidada o seu orifício anal, de onde naturalmente saiam gases de forte odor capazes de atrair à atenção dos garis da natureza a famigerada ave catartidiforme, ou seja, o popular urubu. À época afirmava Reco que a ave tinha todo o corpo coberto de penas, com fome, ao observar o eqüino naquela posição descuidada não hesitou em perguntar, “ Mortorum ou Vivorum? Quando rapidamente decidiu agir disparando em queda livre, num vôo rasante de direção descendente, durante o qual mirou e penetrou no desprotegido orifício anal do eqüino que, vivorum, sentindo entrar-lhe a cabeça do bicho até o tronco do pescoço, deu uma trancada e saiu em disparada alucinante até cometer um salto mortal sobre um riacho e eliminar o intruso incomodo já agora com o pescoço completamente pelado. Quem leu sobre teoria da evolução das espécies sabe que o urubu através deste hábito social desastrado transmitiu esta mutação para o seu gene que em consequência repassou para toda urubuzada até os dias de hoje. Sob a sombra de um frondosa amendoeira, a mesa de Reco sempre foi frequentada por políticos e autoridades do município, da região e até do Rio de Janeiro, além de oficiais graduados da Base Aérea Naval existente perto da sua aldeia que após os exercícios de tiro real em área próxima, tiveram assento, assim como tiveram médicos conhecidos da região, todos apreciadores dos seus causos.

Reco também contava casos entre ela a vez em que foi salvo de um naufrágio por um amigo que passava de barco.

Maria da Penha da Conceição. ”Sá Penha", era sua dedicada esposa, dona de habilidades culinárias invejáveis, dominava uma cozinha regional, sobremaneira com pratos a base de frutos do mar(Pirão de Bagre, Mulato Velho, Arraia, cação desfiado, pescada frita e ensopada, peixe a capote, além de as vezes tatu, porco do mato, gambá e quati, caçados pelo Reco que além de pescar era também hábil caçador.

Reco era um pescador gentio, estilo autóctone portador de virtuosas humildade e simplicidade portador de uma alma que não teve dificuldade de encontrar seu caminho na eternidade!

Sua partida constrangeu muita gente e deixou saudades!

José Antonio da Silva - Cabo Frio, uma tarde de inverno em tempos idos.

Zeantonio
Enviado por Zeantonio em 04/08/2015
Reeditado em 14/08/2015
Código do texto: T5334740
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.