Revolução & Evolução
Uma cidade constituída de alvenaria. Todos os detalhes afogueados em edificações de avermelhadas fachadas, também detalhadas por cimento branco. E estas cores fortes eram sobrepostas pelo céu cinzento, totalmente característico.
Devido a suma organização de edifícios, digo que o quadro da cidade trazia a uniformidade de uma maquete altamente dilatada ao tamanho real de construções.
De frente ao trilho da locomotiva, a nova sensação do mundo, estava o burguês, bastante bem ajustado ao paletó castanho. As vestes escuras por baixo lhe davam maior discrição; exceto que à luz do dia todos podiam saber que não passava de um proseirão. E este adjetivo é evidente pela altura da cartola e as botas que lhe vinham aos joelhos.
O charuto era tragado de forma hostil, igualmente a forma como mostrava os dentes, semelhante a um canino raivoso. Inglês da antiga têmpera. Burguês industrial. Londrino que sabia aproveitar o momento propício.
Ao seu lado um garoto que nunca conseguia ajeitar a boina. Gravata negra em laço de borboleta. Camisa azul e colete da cor do ouro. Calças à mesma tonalidade do paletó do pai, juntamente com sapatos escuros.
- Meu filho, a cidade parece estar mais esbelta. Não há mais por aqui camponeses rústicos à procura de um pão esmolado. Veja! – Sinalizou o burguês, como se lhe faltasse dedos para apontar toda sua volta.
- Como percebe isso?
- Percebo pelo modo que se vestem. Isto é civilização! Esta é a Inglaterra! – Disse, como se observasse a cidade de sua torre mais elevada.
- E por que estão vestidas assim? Qual a diferença de antes?
- Listen to me my son. Sei pai lhe dará uma aula contemporânea. As nossas indústrias têxteis estão produzindo mercadorias em uma quantidade muito maior que antes. Porque não precisamos mais de artesãos. Agora são eles que precisam de nós, para terem trabalho e moradia.
- Oh! This is great father! Estão produzindo novas mercadorias. E esses trabalhadores ganharão roupas novas?
- Yes, of course. Se eles comprarem. – O inglês riu-se.
- Oh, but... I do not understand. Irão trabalhar e não ganham nada?
- Como não?! Já ganham muito. A oportunidade de trabalhar na cidade é um ganho excepcional para esses boçais. E a propósito, essa locomotiva está demorando. – E o homem sacou o relógio redondo do bolso.
- E essa locomotiva que esperamos também tem a ver com as indústrias?
- All right! – Disse o inglês, quase prendendo a língua no R de right. – O carvão pode ser usado como fonte de energia. É a queima dele que move nossa locomotiva.
Após segundos, o garoto volta a falar:
- Father.
- Yes son.
- Esqueci-me de perguntar: e os filhos dos trabalhadores das indústrias?
- Trabalham como os pais.
- E por que eu não trabalho?
- Porque você não é filho de operário. You are my son. Filho de um aristocrata.
Ao perceber o ego do pai elevando-se acima do céu, o menino resolveu calar-se. Logo o trem chegou. Uma densa fumaça escura escapou da locomotiva e enegreceu o ar; como se a noite estivesse ali presa e finalmente encontrasse o portal pela chaminé. Enfim, embarcaram.
Pelo caminho, os olhos do garoto correram pela entrada de uma fábrica e pode observar um semelhante a ele girando alavancas. Não possuía sapatos, somente calções. E suas roupas brancas já eram cinzas, juntamente com a pele de sua face. Tudo eram sinais do trabalho industrial.
De súbito seu pensamento é cortado pela fala exacerbada do pai, que lhe chamava a atenção.
- Veja meu filho: estamos em Londres, e esta é a Revolução Industrial!
O garoto observou a tudo com olhos perspicazes, pois temia que o timbre de seu pai, que mais parecia um lorde a se expressar, agravaria ainda mais e lhe viessem broncas ou até palmadas.
Ao analisar minuciosamente, uma das últimas palavras de seu pai lhe batia ao pensamento e vinha repercutir na reflexão: revolução. Pois ele sabia o que aquele termo significava: mudança, transformação, reforma.
À sua vista não via revolução alguma. Alguns caminhavam com os mesmos trajes de seu pai. Outros poderiam ser camponeses hirsutos perdidos no âmbito da cidade. Apenas por tecidos. Lucros. Máquinas. Capital.
Sentiu-se como a criança que vira na fábrica, mas pelo outro lado da barricada, estando assim na situação de aristocrata. Tem de viver com algo que não abraça a ideia e nem adentra na política. Não entende onde está a ética. Onde morariam os pobres trabalhadores, se a população aumentou, mas a cidade não? Para onde aquele trem os levaria?
A questão seria: as máquinas evoluíam bem à sua frente; mas e a evolução do ser humano? Onde estava?... Lhe deu medo perguntar ao pai.
Por fim, não vira mudanças, reformas ou transformações. Aquilo não podia ser revolução.