O BICHO RUIM DE NOSSA FAUNA

Não pense o leitor que vou papagaiar sobre bichos.

Melhor dizendo, vou, mas não dos que povoam florestas ou infestam as casas de pelo, e que, mesmo tachados de irracionais, agem com mais sabedoria que determinada espécie de bicho, protagonista deste conto.

Já adivinhou? Claro que falo de humanos.

De exemplares dignos de observação acurada: os patetas pretensiosos, de nome científico patetonuns pretensiosus, ou só pepês.

Também sou um patetão, mas nunca fui pretensioso, o que, senão me salvou de enfrentar constrangimentos, ao menos diminuiu o número de micos que paguei, até hoje. E é sobre os pepês e seus micos que discorro a seguir, relatando “causos” que vivenciei, pessoalmente, como interlocutor ou observador.

Jango, amigo da adolescência, fanfarrão notório, era exímio conhecedor de tudo, inclusive do que ainda não tinha sido descoberto ou inventado, conforme ele mesmo dizia. Sutil e delicado como uma manada de elefantes em disparada, apregoava aos quatro ventos ser superdotado, física e mentalmente. Certa vez, após sumiço de semanas, surgiu entre amigos, alardeando conhecimento pleno da vida e trabalho de Freud, o pai da psicanálise. Apesar do desinteresse de todos, insistia no assunto e desafiava os presentes a perguntarem qualquer coisa referente ao mestre e sua obra, até que alguém resolveu lhe dar atenção.

- Tudo bem, Jango. Só para que se cale, vou lhe fazer algumas perguntas sobre Freud. Comecemos pelo mais simples. Qual o primeiro nome do homem?

Todos olharam em silêncio para nosso “grande perito”, e ele, de olhos bem arregalados, mirava seu inquiridor, igualmente silencioso. Após alguns demorados minutos de mutismo generalizado, cabisbaixo e triste, nosso querido faroleiro se retirou, e nunca mais deu as caras por ali.

Não menos fanfarrão foi um advogado, que visitou nosso escritório, dizendo ser representante de algumas empresas, interessadas em nossos serviços (mentira), mas só querendo mesmo aprender alguns macetes dos negócios e se dar bem em sua terra natal. Passou a manhã conosco e à hora do almoço o levamos a uma churrascaria conceituada. Muito falante, inventou que entendia de carnes, preferindo as de caça, e particularmente, aves. A certa altura da conversa, começou a discorrer sobre carne de faisão, que dizia ser extremamente saborosa, e que estaria presente à sua mesa, corriqueiramente. Em meio à empolgação, foi abordado pelo garçom, e sem dar ouvidos ao que lhe foi dito pelo mesmo, aceitou a iguaria oferecida e a degustou. Ato contínuo chamou de volta o funcionário e lhe disse que não gostava daquele tipo de carne, tão estranha e insossa; e perguntou do que se tratava.

- Faisão, senhor!

- E está muito bem preparado. Disse-o um comensal da mesa vizinha.

Ele nada respondeu, nada comentou, e continuou comendo em silêncio.

O almoço seguiu até o fim num mutismo constrangedor, após o qual, nosso convidado, alegando compromisso urgente, foi-se para nunca mais voltar.

E quanto àquele nosso vizinho que sempre contava papo?

Estávamos programando viagem à Turquia, e ele mal chegou, já deu para falar de suas aventuras em terras exóticas. Dizia conhecer, praticamente, todo o globo, e citou, só para nos impressionar, ter explorado as selvas de “FICO”.

Olhamo-nos sem entender nada e lhe perguntamos o que era Fico.

- Uma terra selvagem e inóspita, lá pelos lados da Indonésia.

Pusemo-nos a buscar no mapa tal lugar, sem sucesso. Ele, porém, afirmou que nosso atlas estava incompleto e nos deixou com a pulga atrás da orelha.

Tempos depois, seu filho veio até nossa casa para fazer um trabalho, em conjunto com nosso filho, trazendo consigo um atlas. Qual não foi a surpresa quando vimos (casualmente), na região próxima à Indonésia, que havia um erro gráfico naquela edição, e a palavra “FISICO”, designando o tipo de mapa, aparecia como FICO, em meio às ilhas e arquipélagos, indicados e desenhados. O gajo, sem saber que se tratava de erro gráfico, inventou a fantasia, que se revelou capenga e insustentável. Quando lhe mostramos a prova da farsa, alegou não se lembrar do ocorrido e safou-se rapidinho, de volta pra casa, mas nunca mais tentou nos embromar. Só sorria e cumprimentava, de longe.

Constrangido deve ter ficado amigo nosso, que alegava ser viril e garanhão, enumerando, para quem quisesse ouvir, as dezenas de mulheres que o buscavam e saiam satisfeitas. E foi bem em nossa casa que veio a conhecer amiga em comum, viúva, fogosa e muito saudável, que se afeiçoou ao sujeito. A “menina” não perdeu tempo e foi logo aceitando um convite para partilhar de suas carícias. Acreditando nas aventuras por ele narradas, tratou de se atirar ao bem bom, assim que se viram a sós, com muita, mas muita vontade. Só que o conquistador já não era nenhum jovem, além de ser magro e miúdo, enquanto a sua companheira de aventura apresentava robustez incomum, talvez herdada de sua ascendência italiana. E ela foi com muita sede ao pote.

O resultado foi, no mínimo, embaraçoso.

Ele, leve e pequeno, parecia um boneco nas vigorosas mãos da italianinha, chegando a cair de pernas pro ar, após um abraço mais efusivo, como um frango na travessa, assustado e acuado, sem saber pra onde correr. Mas correu!

Pode parecer invencionice, mas os relatos são, pateticamente, reais.

Escolhi mostrar um aspecto menos sombrio e mais patético de nossos iguais, apenas para entender que se fôssemos menos orgulhosos e impertinentes, talvez evitássemos tanta selvageria e desregramento ao redor do planeta.

Alguns patetas apenas causam constrangimento ou irritação, mas há outros que se comprazem na dor alheia ou não dão a mínima para seus semelhantes.

Se a gente não acordar, o bicho vai pegar!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 29/07/2015
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