Eu a olhei,..., ela me olhou!
Em mais um retorno para casa, após estafante segunda-feira de trabalho, Lucas, enquanto enfrentava mais uma das constantes e demoradas paradas nos diversos cruzamentos com congestionadas vias principais com as quais tinha obrigatoriamente de se deparar, enquanto curtia o som que emanava do rádio de seu carro, deixava fluir seus pensamentos, nos quais fazia uma análise da forma que estava transcorrendo sua vida!
Pensava na boa posição econômico/social que conseguira atingir mercê de seus esforços e do apoio incondicional que sempre teve de sua abnegada família, incluindo os irmãos, Luciano e Lúcia, que, juntamente com seus pais, praticamente o assumiram também como filho, por vezes abrindo mão da alguns sonhos pessoais para possibilitar uma sua boa formação. Pensava na honestidade, querência, dedicação da família, que com palavras e exemplos sempre lhe indicaram um caminho que julgavam reto, de respeito às leis dos homens e da fé e sempre estiveram ao seu lado nas dificuldades que enfrentou!
Pensava nas jovens pelas quais havia se interessado e que delas havia obtido correspondência para um relacionamento, com as quais havia tido muitas decepções haja vista sempre estabelecer um paralelo entre suas posturas e aqueles que tinham sua mãe e sua irmã!
Horrorizava-se, por exemplo, com a enorme facilidade que tinham em mudar de namorado como mudavam de vestimenta! Hoje ‘ficavam’ com Pedro, amanhã com Jorge, depois de amanhã com Mário, parecendo que queriam completar todo o abecedário com seus ‘ficantes’.
Totalmente imerso em seus pensamentos a viu!
Em uma pracinha contígua a avenida na qual seu carro encontrava-se parado aguardando o desanuviar do intenso tráfego, sentada em um banco que se situava bem em frente ao local em que estava... “Bela visão...”, esboçando tênue sorriso, pensou Lucas!
Embora ‘en passant’ em sua olhada, percebeu a perfeição do rosto que também, absorto por ali estava. Embora a certa distância que os separava, pode notar seus belos olhos, que para ele denotavam alguma tristeza, seus belos cabelos, sua boca, seu belo rosto... Percebeu também o que creditou ao acaso, que a jovem, também em olhar ‘en passant’, havia olhado para ele!
Abruptamente foi desperto de seu devaneio, com o soar insistente das buzinas dos carros que o precediam haja vista a distância que havia entre seu veículo e aquele que estava imediatamente à sua frente. Rapidamente voltou ao seu momento atual, engatou a primeira marcha e ao avançar avançou alguns metros notou que havia uma viela à sua esquerda, que fazia crer que circundava a praça onde estava sentada a dona do belo rosto. Sem titubear, deu uma guinada e adentrou a viela. Avançou mais alguns metros e notou, satisfeito, que o que havia suposto era real. Com uma nova guinada a esquerda, adentrou uma rua bem menos movimentada que a avenida da qual havia saído e estacionou junto a uma calçada componente da praça.
Tranquilamente desceu do seu veículo, acionou o trancamento automático das portas e enveredou pela praça adentro, visando cruzá-la e sair no exato ponto em que a viu! Simulou novo tênue sorriso e ficou pensando na loucura que havia feito, enveredando por desconhecida viela, parando em semi deserta rua em praça que desconhecia, ‘abandonando’ seu veiculo e cruzando-a em busca de alguém que sobre a qual havia lançado rápido olhar...
Mas, se tinha chegado até ali, dizia seu instinto que deveria seguir por bons fruídos o levavam a isso... Como se tratava de uma praça de pequenas dimensões, Lucas rapidamente a cruzou e em breve espaço de tempo já se encontrava nas proximidades do banco no qual a vira sentada. Volteou algumas mudas de plantas que circundavam os bancos postados ao pé da avenida e viu-se defronte ao buscado banco. Mas, para sua decepção, ele encontrava-se vazio!
Com visível decepção estampada na face, Lucas volveu seu olhar por toda a praça tentando visualizar algum indício de sua presença, porém, em vão! Não havia pelas cercanias viva alma para qual pudesse indagar se havia visto para onde havia se dirigido a jovem que estivera até pouco tempo sentada naquele banco. Pensou até na possibilidade de que ela estivesse por ali aguardando a passagem de alguém e logo após ele ter iniciado sua marcha, este alguém ter chegado e a levado! E uma garota como aquela, com aquele lânguido olhar e tão belo e sereno semblante não poderia estar ali sentada oferecendo seus serviços como uma mera garota de programa!
Inconformado, mas com o alto astral que tinha ainda buscando algumas vantagens por ter efetuado este ligeiro desvio em seu caminho habitual, tal como haver diminuído o fluxo de veículos em seu trajeto, fez o caminho de volta, retomou o trajeto interrompido e, efetivamente, em tempo menor do que habitualmente fazia, retornou ao seu lar! Após todos os seus costumeiros afazeres depois de chegar em casa, como era de hábito, ia para seu quarto, via noticiário da TV inteirava-se de algumas noticias ocorridas durante o dia, acessava seus e-mails e entretinha-se na leitura de bons livros até que o conciliasse o sono. Especificamente neste dia, a leitura do livro que tinha como título O DIA EM QUE A VÍ, fez com se recordasse do episódio vivido em seu retorno para casa. Incrível, mas não conseguia tirar de sua cabeça aquele olhar, aqueles olhos, aquele rosto encantador... Com o olhar fixo no teto de seu quarto, aquele tênue sorriso aflorou novamente em seus lábios, permanecendo assim até adormecer profundamente.
No dia seguinte e nos subsequentes, sempre que passava nas proximidades do local onde viu a jovem que o encantou, Lucas ficava ansioso observando, com sua ausência no banco da praça, se a via pelas cercanias. Na sexta-feira resolveu refazer o desvio feito na segunda-feira e logo estava já pelo lado contrário, aproximando-se do local onde a vira!
Contornou novamente as mudas de mudas de plantas e deparou-se com o banco vazio!
Acabrunhado, já estava conjecturando retirar-se quando notou na extremidade oposta da qual se encontrava um movimento como se algo ou alguém estivesse se afastando. Sem pestanejar, num andar apressado, quase correndo, dirigiu-se em direção ao ponto do movimento que detectou!
Já há somente alguns passos do seu objetivo, pode ver claramente que havia alguém empurrando algo de forma lenta e cuidadosa. Deslocou seu agora mais lento caminhar para a esquerda e vislumbrou que uma senhora empurrava uma cadeira de rodas!
Já emparelhado com a dupla, notando que ocupando a cadeira de rodas havia uma jovem!
Com o coração ‘aos saltos’ viu que a jovem volveu seu olhar, que estava fixado para frente em sua direção e que era o mesmo triste olhar provendo daquela bela face que tanto o havia encantado!
Sorriu para ela que, esboçando um choro, volveu novamente seu olhar para diante, querendo demonstrar impessoalidade! Num inexplicável ímpeto, tocou levemente ao braço da senhora que efetuava a condução e ao ser olhado por ela solicitou:
--- Será que eu posso falar um minutinho com a jovem que carrega?
Demonstrando certa surpresa, a senhora titubeou e gaguejando respondeu:
--- O... senhor conhece... minha filha?
De tão ansioso, Lucas, resfolegante prosseguiu:
--- Meu nome é Lucas, senhora! Não sei se sua filha recorda-se de
mim. Mas já a vi sentada naquele banco que margeia a avenida e
ela também me viu...
A senhora parou brevemente seu caminhar e antes que dissesse qualquer coisa foi interrompida por uma, aos ouvidos do ansioso questionador, melodiosa voz:
--- Mamãe! Vamos ouvir o que o moço quer me falar...
Lucas, extasiado, volteou a cadeira de rodas, posicionando-se frente a frente com a jovem e sua mãe! Olhando diretamente nos olhos da garota, esquecendo-se completamente da presença da senhora, emotivamente falou:
--- Sabe... Eu me chamo Lucas... Na segunda-feira, transitando pela
avenida, com o congestionamento fiquei parado por algum tempo
e notei a sua presença no banco da praça que a margeia...
Estava absorto, imerso em meus pensamentos e fixei meu olhar
em seu rosto! Fiquei encantado com o magnetismo que senti
emanar dele... Posso até estar errado, mas percebi que você
também olhou para mim... Tive de avançar com meu carro, pois o
trânsito fluiu um pouco e os carros que se encontravam após o
meu começaram buzinar com insistência... Resolvi virar a primeira
rua que deu mão à esquerda, visando contornar a praça para
conferir se era real a visão que tive... Ao chegar aqui, não mais
a vi... Queria falar com você, ouvir sua voz, saber seu nome,
admirá-la...
A moça olhou, olhos nos olhos de Lucas, lágrimas rolando por suas faces, docemente falou:
--- Vou ser sincera! Também notei seu olhar na segunda-feira...
Envergonhada com meu estado atual, assim que notei que havia
dobrado a esquerda na viela, pedi para que mamãe me
recolocasse na cadeira de rodas e me tirasse rapidamente daqui!
Algo me disse que iria proceder como procedeu e resolvi escapulir
antes que por aqui chegasse! Meu nome é Lúcia... Creio que
agora que já matou sua curiosidade podemos ir embora, não?
Lucas, não podendo segurar suas lágrimas, sem tirar os olhos dos olhos de Lúcia, quase sussurrou:
--- Enganou-se Lúcia! Perscrutei com meu olhar até onde meu olhar
podia enxergar de terça a quinta-feira pela praça e não vi viva
alma! Hoje, resolvi refazer o que fiz na segunda-feira e tive a
felicidade de encontrá-la e não quero daqui sair sem obter de
você, com a permissão de sua mãe, para que eu a veja amanhã
onde você determinar, para que possamos melhor conversar,
possamos saber mais um do outro e estabelecermos inicio de
uma, que tenho certeza que será uma eterna amizade!
No tristonho ambiente que se formou na conversa entabulada pelos dolentes jovens, até a senhora apresentada como genitora da jovem na cadeira de rodas estava com os olhos marejados. Olhou para a jovem que, tristonhamente lhe sorriu!
Alternando olhares para a filha e para a mãe, Lucas complementou, fixando seu olhar na jovem:
--- Não sei se acreditam, porém, a empatia que tive ao deparar-me
com o olhar de Lúcia, ultrapassou o simples fato de um fortuito
olhar! Tenho absoluta certeza e sei que você sabe, que quando
eu te olhei e você me olhou, algo em nossos destinos selou
importante encontro ou reencontro entre nossas almas!
Como um sinal de que algo superior corroborava com o que apregoou Lucas, linda revoada de andorinhas sobrevoou a praça em busca de seu remanso...