Dia Verde
Chega o domingo à noite. Fecho as portas de madeira da sacada e coloco à dentro as espigadas gelosias, verdes e amargas. Também aperto o interruptor e deixo calmamente a escuridão instalar-se pelas paredes. Toda a ação mórbida de um conforto numa sala taciturna.
Eis a concisa decoração: um tapete pirateado da arte persa. Sofás aveludados das cores da abóbora. Uma raque de madeira polida. Também um antigo televisor.
Sem nenhuma penumbra, era o chegar da noite e o aposento mergulhava em ondas sombrias. E bastante bem acomodado, estava eu sentado com os olhos presos naquilo que assistia. Lembro-me que outra emissora transmitia a ascensão de Tom Hanks, com À Espera De Um Milagre. Para mim era insignificante. Não havia pulsação.
Cantei que não queria ser um americano idiota. Também que era um filho do ódio e do amor. Tanto devia ser, que éramos foras da lei. Nós estaremos esperando. Comédia e tragédia são contrastes de um santo que não fora canonizado. Me acorde quando Setembro acabar. Eu caminho rua abaixo por uma alameda de sonhos despedaçados. Assim, que você tenha tido o momento de sua vida.
Estes trechos acalentavam o coração com um fluído semelhante ao sêmen abstrato. Explodem as emoções pelos órgãos, mas a matriz vem a ser a candência da alma. E vibrava eu a cada All Right! Keep Your Hands Up Of The Head! One More Time, England!
Aquele fora um show soberbo e esplendoroso no Milton Keynes. Lembro-me de observar atentamente ao vocal. Ele explodia de vida e sentimentos a cada canção interpretada às sanguíneas figurações punk. Cante Inglaterra, cante o mais alto que puder para todos os malditos políticos ouvirem e estrebucharem de raiva, aos quais têm seu âmbito geral e desprezível liderado por George W. Bush; pois façam esse miserável perder a compostura beligerante e dizer que uma pátria não é um liceu para estudos de estratagema.
A ideia do protesto era defender a autenticação introspectiva de cada mente. Tudo o que você é, é possível enxergar ao espelho. Tudo o que não fores, o mundo tenta te tornar. E esta persuasão te indica mais uma estrada sem volta.
Assim, assistia eu quieto àquele espetáculo manifestante e que ribombava o coração do rock ‘n roll. Aquela banda apresentava-se como uma lenda aos olhos. Eram eles o sinônimo do rock atual, e que sobreviverá por décadas.
Descobri o rock ‘n roll através de tais canções que soavam como reproche e esconjuração à língua pútrida da política mundial. Isto é o que chamamos de ópera, quando um espetáculo é desmontado em atos que equivalem em grandeza ao grand finale.
Leitor, não existe uma narração evolutiva nesta trama, não havendo início, meio ou fim. Tudo o que aqui tenho a intenção de transmitir é um sentimento, hoje nostálgico, ao ver aquele concerto, pelo ano de 2.006, por isso, devo inovar e transfigurar numa metáfora poética o resto deste texto.
A banda é uma estrutura sonora que se mantém de pé pela congruência geométrica de seu andaime.
A bateria é o latejo que bumba com o ardor dos braços. As baquetas são os instrumentos da palpitação. É a vibração que evidencia que um corpo está em vigor e criando o próprio ritmo.
O baixo é um regaço, pois é onde os sons mais incisivos se aconchegam para se espalhar. É a base onde se apóia os arpejos. É o som que cobre arrojos e solos que se destacam pelos outros argutos.
A guitarra é a alma que fala em notas. Se expressa em diversas vozes e reflexões de seus próprios timbres. Ela é guerreira. Emanante de sentimentos e ações. Pode chorar, gritar, esbravejar, cantar, zunir, agudar, agravar, pois todos estes atributos são características de uma alma arquejante que se aloja entre seis cordas.
E naquela banda, a bateria anelava incessantemente, o baixo cobria com cortinas de ferro e a guitarra falava com a austeridade do protesto e o efeito da atitude. Este trio em conjunto me expressava a visão limpa e convicta do que era o verdadeiro punk rock, e o mais indispensável, qual era o real espírito do rock ‘n roll.
Você pode possuir um coletivo de correntes enrodilhadas em seu corpo, mas através da música, seu espírito é livre, e a barreira do ferrete é ultrapassada pela ação da mente.
E sabiamente Bono Vox já definira o êxtase da música como uma democracia verdadeira do espírito, onde não há leis ou falsos conceitos de liberdade, apenas a metafísica do corpo livre e o cume do nirvana.
E continuei ali, assistindo àquele espetáculo, e em meu subjetivo, não pensei, pois os desejos mais agudos e cândidos não se revelam com facilidade, mas sabia, mesmo sem perceber, que era aquilo que eu iria fazer por toda a minha vida.
Os sonhos não são absorvidos pelos olhos, em um efeito de fora para dentro, mas sim promovidos pelo coração, de dentro para fora. De fora para o mundo. E do mundo, torna a uma preciosa lembrança.
“As recordações de ouro são o grand finale da ópera da vida”.