O forasteiro
Enquanto ele entrava no bar, todo bem vestido, terno e chapéu branco, camisa cinza e aquele ar de superior, exalava seu perfume importado, enchia o ambiente com um amadeirado sufocante. “O que aquele homem faz aqui?”, “O que ele busca nesse lugar?”, “O que ele quer?”, todos pensavam o mesmo, mas ninguém se aproximava. Os velhos da mesa do canto, com barba mal feita espetando a gordura do pescoço, suor encruado e cigarro fedido queimando, só levantaram o olhar, nem mesmo moveram a cabeça, não queriam dar moral ao forasteiro, os gays apoiavam os cotovelos sobre a mesa para ter um motivo para se empinar, as mulheres acompanhadas seguiam o homem com os olhos e seus parceiros cutucavam-nas ou beijavam-nas explicitamente em uma desesperada tentativa de marcar território, o que não adiantava, pois elas beijavam com os olhos abertos, as mulheres solteiras levantavam o fio da calcinha, ajeitavam o cabelo, piscavam, puxavam os seios praticamente para fora das blusas e riam bem alto tentando chamar a atenção do cavalheiro.
O bar fedia, era escuro e opressor, as paredes estavam mofadas e descascavam, havia um cheiro forte de álcool e vômito e cerca de cinquenta pessoas feias e sujas espremidas, mas o forasteiro nem mesmo olhava para os lados, apenas encostou no balcão, bateu uma vez para chamar a atenção do atendente e pediu uma vodka e a presença do dono. O atendente rapidamente obedeceu, pegou o copo mais limpinho e colocou a bebida sob o olhar julgador do forasteiro e rapidamente foi chamar o dono do bar.
Nesse momento os clientes tentavam voltar à normalidade, até que viram o Sr. Onofre –dono- ninguém o via no bar, sabiam que ele estava no recinto, mas nunca o viam pessoalmente. Era um velho alto, grisalho, olhos cansados e olheiras pesadas, andava mancando e meio curvado, sempre com um cigarro na boca, apesar de tossir de muito, pois não sabia que tinha câncer. Todos então olharam para o balcão, onde o Sr. Onofre encarou dos pés a cabeça o forasteiro, apesar de sentir que devia tratá-lo bem, por ser um homem bem vestido e possivelmente rico e poderoso, Onofre não deixou de lado sua marra e perguntou de cara quem ele pensava que era para fazê-lo vir, o forasteiro não se fez de rogado e puxou do bolso maços de notas de cem e jogou em cima do balcão, todos no bar se tremeram, pois dinheiro não estava nada fácil, a vontade de avançar naquelas notinhas passou pela cabeça de todos, menos na de Onofre que apenas olhou-as e novamente levantou o olhar com desprezo, direcionou ao forasteiro e questionou o motivo daquilo.
O forasteiro levantou a perna da calça direita e tirou à perna mecânica, todos no bar arregalaram os olhos e os sussurros ficaram tão altos que até Onofre pode ouvi-los... “O que aconteceu?”, “Uma pena uma cara desse ser aleijado!”, “Acho que vai ter briga”. Rapidamente colocou a perna no lugar, ajeitou a calça e olhando para Onofre disse que veio buscar Rebeca e seu filho. Onofre arregalou os olhos de uma maneira tão intensa que até suas olheiras se esticaram e seu cigarro caiu da boca.
O atendente do bar ajeitou os óculos, se tremeu todo e foi chamar por Rebeca, que prontamente surgiu, ainda linda mesmo com o passar dos anos, loira, corpo arredondado e aqueles lindos olhos castanhos e esse foi o único momento em que o forasteiro desviou o olhar. Ambos se encararam por um tempo e em seguida Rebeca correu, abraçou e beijou o belo homem de branco. Quando conseguiram respirar ela disse que queria apresentar-lhe uma pessoa e novamente o atendente apareceu, tímido e assustado, mas olhando agora de perto, era a cara do forasteiro. Todos no bar sorriram sem entender bem o assunto, os velhos se cutucaram e fizeram cara de que lembravam de algo. Naquela mesma tarde Rebeca, o forasteiro e seu filho saíram daquele lugar miserável e foram em direção à cidade.
Onofre não tentou impedir, nem devolveu o dinheiro que ficou sobre o balcão, apenas sentou em uma mesa do bar, como não fazia há anos e bebeu uma garrafa de cerveja barata, seu velho amigo que estava sempre no canto, sentou ao seu lado e disse:
Amigo: Ele disse que voltaria!
Onofre: Não esperava por isso!
Amigo: Por que ele tirou a perna? O que você não contou?
Onofre: Você sabe que ele namorou a minha filha, eram moleques! E ela engravidou... Ele veio falar comigo e eu vi que era um pé-rapado, o mandei sumir e ele disse que ia voltar...
Amigo: Isso eu sei!
Onofre: Mas o que você não sabe, é que ele voltou antes... Tentaram fugir uma noite, eu esperava por isso, então consegui pegá-los! Bati muito nela e humilhei-o, disse que se queria minha filha, devia voltar quando pudesse pagar pela vida da criança e quando tivesse dinheiro para ficar branco. Era o auge da minha vida, o auge do bar... Mandei dois caras atrás dele, quando voltaram disseram que não conseguiram matá-lo, mas que haviam acertado um tiro na perna dele, que ele caíra de um barranco e na certa morreria, pelo jeito não morreu.
Amigo: Nossa! Ele cumpriu suas exigências, cada uma delas... Pagou pela vida do filho e ainda voltou de branco.