A Vomitona

Palavras da minha mãe: _ Final de semana iremos à Teresópolis. Pronto. O mundo acabaria em vômito. Um dia antes da jornada eu enchia um copo de água com sonrisal e olhava o comprimido redondo se dissolver em bolhas, e pensava no desastre que ocorreria no trajeto. Que sina! A melhor parte dessa verídica história eram as bolinhas fazendo cosquinhas no meu nariz.

Por quê as mães têm a mania horrorosa de fazer simpatias quando os filhos sentem alguma coisa? Uma dor de barriga, por exemplo. Eu passei por essa fase quando menina. E isso perdurou além da conta até que eu vomitasse no mundo todo (exagerinho...? Veremos)

Na noite antes da viagem, as bolsas com os apetrechos necessários, carteira de um lado, documentos do outro lado, uns biscoitinhos, toalhinhas, camisetas, bermudas e calcinhas. Provavelmente passaríamos um mês por lá. Mas, não. É que eu vomitava em tudo que eu via.

Uma confidência: Minha mãe era mandigueira. Mas a coitada sempre falhava. _ Deixe-me ver o seu umbigo, _ dizia ela.

_ Mãe, a senhora não vai colar esse esparadrapo no meu umbigo, não. _ Vou sim. (pessoa teimosa era aquela)

_ Toma, mastigue esse palito de fósforo. _ Não vou mastigar coisa alguma, mãe! _ Vai sim, senhora! (Meu Deus, me salva!)

_ Deixe eu amarrar essa fita branca no seu pescoço. _ Mas mãe! Eu não quero! _ A senhora quer, sim! (Caraca, que mãe é essa?)

_ E não se esqueça, esfregue bem essa chave nas mãos e cheire-a. _ O quê?!?!

Bem, é notável o monte de badulaques, rezas e simpatias escrotas, ou não? Pois é. No final das contas a minha mãe me fantasiava de "voduzinha". E só de sacanagem eu fazia tudo ao contrário. Descolava o meu umbigo, riscava o palito de fósforo e chupava apenas a cabeça (tinha um gosto muito bom), cortava o nó da merda da fita atada no meu pescoço e a chave eu enfiava dentro do tênis. Pronto, e agora?

Subida da Serra de Teresópolis, coração disparado. Puxa vida, como é linda a natureza, pensava eu na magnitude dEle. E desde que me conheço por gente, sempre curti a natureza. Estava contente da vida e nauseabunda. Contente da vida e triste. Contente da vida e enjoada. Contente toda vida e vomitada.

Subida da Serra de Teresa Cristina, ouvidos entupidos, toalhas encharcadas dentro do estômago, meu corpo estirado num convés, elevadores ensandecidos subindo e descendo na minha barriga (o motivo do esparadrapo era tampar o buraco do umbigo. Vai que um elevador despencasse no ônibus...). Seguro forte o braço do meu pai que interpela. _ Pense em coisas bonitas. _ Ahhhh, como é linda a natureza e waaaaaaaaa! Vomitei céus e terras.

E minha mãe precavidíssima vinha com a toalha para "limpar" o meu rosto, o meu cabelo, o meu tórax... quinze minutos depois, waaaaaaaaa... outra rajada de vômito. Dessa vez vomitei no meu pai e na minha mãe pra deixarem de ser bestas. Mais quinze minutos de lambuja e (vou vomitar "ssaporratoda")... waaaaaaaaaaaaaa, vomitei o passageiro da frente. Pronto. E era desse jeito mesmo.

Viajar de ônibus em longas e curtas distâncias me enojavam a alma. Vertiginoso martírio. Odisseia tenebrosa. Inferno terrestre.

Mais tarde, o meu pai comprou um carro e aliviada a minha mãe dizia: _ Graças a Deus, essa menina não vai mais vomitar. /Aham... nunca mais.

Destino: Resende, lugar agradável, belíssimo e muito bem vomitado também. Pois no meio do trajeto, eu lavei todo o banco traseiro, o chão e a precavida bolsa que a minha mãe sempre teve em mãos, mas dessa vez estava aos meus cuidados vomitâmicos.

Depois dessa vomitância toda íamos a um hotel para que eu tomasse um banho. Era sempre a mesma história. E na volta da viagem a mesma acontecência acontecia. E o mais interessante é que a minha mãe descobria depois de um tempo que eu não andava com o umbigo colado, descobriu também que eu chupava a cabeça do palito de fósforo queimado, que eu cortava a fita branca do pescoço e que enfiava a chave dentro do tênis.

Ela como sempre fora uma mulher mandigueira, além de intuitiva, dizia: _ Ahhhh, é por isso que você vomita o tempo todo. (?) \?/ [?] {?} ... ?

Bem, era por conta disso, sim.

(verídico)

"Ciranda Da Bailarina" - Adriana Calcanhotto

(https://youtu.be/9QrNESnMsZQ)

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 14/07/2015
Reeditado em 15/07/2015
Código do texto: T5310284
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