Anne e Pierre

As sombras azuis das árvores numa noite de lua cheia. O topo de uma montanha com vento forte constante”, sua amada entrelaçada em seus braços e seu corpo caído por sobre a grama molhada. São estas as lembranças que Piérre sempre guardou, são estas as lembranças que ele define por tristeza. A felicidade que a tanto ele esteve procurando, felicidade pela qual Pierre tanto se desespera resume-se ao seu passado, resume-se a flash´s que o visitam por todas as noites em sonhos.

Anne, este era o nome da mais bela mulher que passou pela sua vida, a mais bela vida que passou por sua ínfima existência, era esta, sempre a mesma descrição que Piérre fazia em meio a lágrimas que corriam ao canto dos olhos. Não existia uma única alma que não olhá-se para ele e não se martirizá-se com tamanho sentimento de dor que o pobre homem há anos sentia. Por conta desta melancolia que não se podia medir, Piérre se afastou de todas as almas que lhe mostraram gratidão, de todas as pessoas que lhe estenderam as mãos; No fundo percorria por todo seu corpo um enorme medo de machucar outra pessoa novamente, pois sim, ele desde o dia da partida de sua “amante”, se entregou à culpa como uma mãe se entrega ao sofrimento com a morte de um filho.

Um amor como nunca antes se havia visto, era o que falavam todos pela cidade mesmo depois de completas duas décadas da partida de Anne. Rigorosamente por todos os anos ele visitava a grande árvore de sua lembrança, para Piérre, lá jazia o corpo gélido e pálido de sua querida e junto sua felicidade. A árvore que com sua infinita memória, guardava em traços trêmulos toda a história de Piérre, mantinha viva a alma da jovem que com suas palavras e beijos eternizou não só o coração de seu amante mas também a árvore que agora era amaldiçoada.

O pobre rapaz, que nos dias de hoje poderia ser chamado de senhor, viveu até seus 41 anos, onde depois disto, não encontrou mais forças para vencer o mal que dele se apoderou e até o último dia de sua vida ele não conseguiu compreender o que acontecera com Anne, assim como o mais simples cantar de um pássaro, o mais pacífico desabrochar de uma flor a pobre mulher partiu, com os seus olhos semi cerrados, tranqüila e serena ela simplesmente deixou seu corpo entregue a seu amado. Tentou cumprir como prometera, se entregar de corpo e alma, mas após deixar seu corpo nunca mais voltou a ver Piérre, nunca mais voltou a sentir o calor da felicidade, foi conduzida a mundos e mundos e uma única coisa era constante em seu pesar... As lágrimas que desciam por sua bela face trágica sem trégua.

Até hoje Anne não deve saber da passagem de seu grande e único amor, perdeu toda a noção de tempo e está fadada a desmanchar-se em lágrimas como uma deusa histórica e mitológica amada por todos além de seu tempo.

Implacável sentimento este que está à mercê, de todas as almas sem carinho, de todas as almas despreparadas a viver e morrer em um mundo sem importância, em um mundo onde o Ter vence facilmente o Ser e o Sentir. Piérre e Anne foram mais duas vítimas de um “vazio de solidão”, mais duas vítimas da dor incurável que provoca o sentimento cruel do amor, um sentimento que alimenta, faz viver e arranca sem piedade as entranhas mais profundas de um ser fazendo com que este se entregue para a morte, com a mais cética das previsões, de viver sem rumo e perecer para o fim dos tempos sentado a uma pedra, chorando e gritando sem resposta o nome de seu amante.

Assim, contou o mais novo menino da pequena cidade, dizendo que ouviu de seu pai, que ouviu de seu avô, que escutou pelas ruas a tragédia da mais fiel e verdadeira história de amor que até hoje se ouviu falar, onde as mulheres pedem por um Piérre em suas vidas e todos param ao menos um dia do ano para se dedicar à Anne.