A enfermeira
Guajará-Mirim, cidade de Rondônia que faz divisa com a Bolívia.
Depois de ter cessado a construção da Estrada de Ferro, a cidade ficou um tanto abandonada... Contudo, é uma cidade bonita e aconchegante.
Foi nesta pacata cidade que tudo aconteceu.
Márcia era a nova técnica em radiologia do hospital municipal desta cidade... Para complementar seu orçamento, dobrava seus plantões no hospital e lá passava dias e dias.
Neste hospital, assim como em todos os outros, havia uma sala de repouso para os técnicos, enfermeiros, médicos... Mas, a sala de repouso do hospital municipal de Guajará – Mirim era muito barulhenta e Márcia resolveu encontrar outro local para descansar.
Andando pelo hospital, se deparou com a ala de isolamento infantil que estava desativada há vários anos. Entrou no local que há tempos atrás havia servido como necrotério, o local estava sujo, desarrumado, mas, isto não serviu para desanimar Márcia! Ela continuou a desbravar o local e ficou muito animada quando encontrou um banheiro que funcionava perfeitamente!
Passou os próximos dias limpando e organizando parte do espaço em suas horas de folga até deixá-lo pronto para ser sua sala de repouso particular.
Márcia era uma moça alegre e tinha grande facilidade em fazer amigos, mas, era também meio estabanada. Enquanto preparava e limpava seu cantinho recém-descoberto, cantava lindamente. Ela gostava muito de música lírica e possuía uma voz harmoniosa. E ela cantava, cantava...
O local ficou muito aconchegante e ela chegou a convidar algumas colegas de trabalho para repousar lá contigo, mas, estranhamente ninguém aceitava seu convite, apenas sorriam e diziam – “menina, você é mesmo muito corajosa!”.
Márcia nunca parou para pensar sobre estas atitudes e até gostava de ter um cantinho só seu e com banheiro exclusivo!
Certa madrugada, quando foi para seu canto de repouso, em seu turno de descanso, ao sair do banheiro levou um baita susto, pois, havia uma enfermeira sentada em sua cama.
“Ai! Que susto! Você é louca é? Não pode ir entrando deste jeito sem fazer barulho!”
A enfermeira calmamente olhou para ela e disse – “canta pra mim. Eu gosto de te ouvir cantar. Sempre venho aqui ouvir você cantar... canta...”.
Márcia, que estava enrolada na toalha, pois, acabara de sair do banho – esbravejou – “Sua doida! Quer dizer que fica vindo me espionar? Sai daqui! Sai!”.
A enfermeira, calmamente se levantou e se dirigiu até a porta. Antes de sair parou, se virou, olhou para Márcia e falou – “Fale com a Gina, ela sabe.” Disse isso, e saiu. Márcia, estranhamente sentiu um arrepio percorrendo seu corpo. Pensou que fosse devido ao fato de estar apenas com o corpo envolto na toalha úmida... Vestiu-se, deitou-se para descansar, mas, não conseguia dormir.
“Fale com a Gina, ela sabe.”... Esta frase não saía de sua cabeça. Gina era uma técnica de enfermagem que trabalhava no hospital... A Gina sabe de que, afinal? Ficou pensando...
Já passava das quatro da manha e ainda não conseguira dormir apesar do cansaço... Outra vez sentiu um arrepio percorrer seu corpo... Pensou ouvir um choro de criança... Sentou na cama, prestou atenção e nada... Decidiu levantar e ir falar com a Gina.
Procurou à amiga e contou o que havia acontecido... Gina ouvia cada palavra com olhos arregalados... Perguntou como era a enfermeira... Márcia a descreveu como sendo uma senhora alta, magra, com características de uma mulher boliviana, contudo, sua pele era muito branca... Gina se benzeu com o sinal da cruz e disse – “Cruz credo!”.
Que foi? Perguntou Márcia... O que está acontecendo?
“A enfermeira...” falou Gina... “foi ela... Vamos! Temos que falar com seu Zé – o vigia. Ele sabe da história!”
Que história Gina? Você está me assustando!
Quando encontraram seu Zé, ficaram sabendo que anos atrás, quando a ala de isolamento infantil ainda funcionava, havia uma enfermeira muito dedicada que cuidava das crianças enfermas. Ela era sozinha, não tinha nenhum familiar e passava todo seu tempo no hospital cuidando das crianças... Ela já estava velha, passava da hora de se aposentar. Mas, quando alguém tocava no assunto de sua aposentadoria ela simplesmente respondia – “Ninguém jamais vai me afastar de minhas crianças! Nem depois de morta”!
A enfermeira morreu e mesmo depois de sua morte era vista na ala de isolamento infantil.
Choro de criança podia ser ouvido vindo daquele local... Mesmo ele estando abandonado...
As duas amigas se entreolharam assustadas...
Na outra noite, Márcia voltou ao seu local de repouso, não queria deixar o cantinho que preparou com tanto esforço... Mas, estava receosa... Abriu a porta, acendeu a luz, olhou ao redor e não viu nada de anormal... Respirou fundo e falou para si mesmo – “Deixa disso, menina! São apenas histórias, lendas!” decidiu ficar. Despiu-se e foi para o banho.
Ao desligar o chuveiro, enquanto enxugava seu corpo, ouviu o choro de criança... Era um choro longe que cada vez ficava mais perto...
Sentiu seu coração acelerado... Arrepios percorriam seu corpo... Engoliu seco... A criança chorava cada vez mais alto... Enrolou-se na toalha e saiu do banheiro com passos lentos...
Entrou no quarto e lá estava ela – a enfermeira – com uma criança nos braços... E a criança chorava copiosamente...
“Canta! Canta para acalentar minha criança!” Falou a enfermeira com voz firme.
Márcia ficou parada com olhos arregalados. Nenhum som saía de sua garganta. Era como se seu corpo estivesse congelado.
“CANTA!” gritou a enfermeira!
Silêncio.
“CANTA!”
E Márcia cantou. Uma melodia suave... Um canto lírico... Ela cantou... E seu canto podia ser ouvido pelos corredores do hospital...
E todos se deliciaram com a linda melodia...
De onde vinha esta canção? E quem cantava? Todos se perguntavam.
Os funcionários do hospital seguiram o som daquela voz...
Ao chegarem à antiga ala de isolamento infantil, encontraram apenas uma toalha branca caída no chão...
Márcia nunca mais foi vista.
Não se ouviu mais choros vindos da ala de isolamento infantil abandonada... De tempos em tempos, uma linda melodia podia ser ouvida pelos corredores do hospital municipal de Guajará-Mirim... É um canto lindo que ao mesmo tempo em que acalanta, gela o coração...
P. s.: Esta história foi contada por minha Irmã que trabalhou no hospital municipal de Guajará-Mirim.