O MAIOR CONTADOR DE HISTÓRIAS DO MUNDO

O MAIOR CONTADOR DE HISTÓRIAS DO MUNDO

George Paulo 31/12/2014

A noite mal havia chegado, e já se podia observar no céu, o balão iluminado que sorrindo, tornava-se cúmplice daquela gente humilde que se juntava e tomava assento nos tamboretes de madeira revestido de couro curtido, para partilhar os “causos” e sorverem em goles barulhentos algumas xícaras de café quente, no terreiro de chão batido.

A meninada corria de um lado para o outro, numa algazarra sem limites. Os adultos naquelas conversas sem fim, ora por outra, soltavam a voz ralhando o impropério, o qual eram respondidos com as barulhentas gargalhadas. – “ cês tão com o cão nos couro, meninos?!

Era como se neles fizessem cócegas. E a folia continuava ainda mais animada. Palú , irmão do Macedo, comandava o *salve latinhas, que fazia a molecada se espalhar por aqueles terreiros e quintais. Até as *cintinas serviam de esconderijos naquela brincadeira. As casas eram separadas por arames farpados ou estacas feitas de ripa vindas da madeireira dos *Boa Sorte. Havia muitos pontos para se esconderem e não serem descobertos facilmente, por aquele que vigiava a latinha e era obrigado a *queimar todos os participantes para somente assim, deixar de ser o caçador, para se tornar o motivo da caça.

Não era comum haver meninas naquela *furupa, mas a Ana do Zé da Tôca... sempre era uma das primeiras a *bater a pedra. Ana era uma garota franzina que chorava baixinho com as histórias de “seu” Luis. Era muito levada da breca e imaginava-se já uma moça. Fazia questão de ensinar o * magote inteiro da rua, beijar na boca. O seu pai nem sonhava num negócio desses! A pobrezinha iria ficar sem o couro das costas, porem, pra sorte de todos e diversão garantida... do fato, ele nunca tomou conhecimento, não tinha tempo pra dar trela à essas coisas, vivia levando pessoas , daqui pra lí no seu fusca vermelho com uma placa que se iluminava à noite e podia se ler: TAXI. Nos finais de semana, defendia o santa cruz, um time de futebol do colégio dos padres orionitas.

Já cansados, começavam a ajuntar-se em torno da manguba de flores cheirosas, tomando assento no banco feito pelo “seu” Antero e que rodeava o seu tronco. A noite não poderia findar sem aquele momento o qual a coroava. Todos ficavam atentos para a história que iria ser contada. Dependendo do gênero... os meninos ficavam tão próximo uns dos outros, que se misturavam, pulsações e respirações, até os corações, pareciam bater no mesmo compasso. Era lindo era mágico.

Os olhos voltados à mesma direção, ficavam na expectativa do desenrolar daquele episódio, o qual ganhava o ar de dramaticidade, tamanho era o esmero da narrativa. Tudo era carregado de vozes diversas e gestos enriquecendo a cena descrita

Em alguma dessas histórias, se podia ouvir um assoar de nariz e um choro sussurrado, passando a compor a trilha sonora do momento triste da princesa ou príncipe que povoava a mente de quem absorto ouvia.

Tremia-se de pavor e o medo tomava conta do coraçãozinho que estava para sair do peito e que naquela noite, só dormiria acompanhado. Era tudo muito excitante, embriagados daquela fantasia tão pura, aqueles meninos construíam seus sonhos, aprendiam a ser bons, a praticar o bem e a amar. A magia era raramente interrompida com os gracejos do Pavio filho de Dona Juraci, menino brincalhão que tirava sarro de tudo, mas logo tudo voltava ao normal

O mais chato e não menos emocionante, era quando a história era interrompida pelo chamado dos pais para se assearem e irem para a cama. Ficava então o suspense por esperar pela outra noite e poder então finalizá-la.

Despediam-se e em comentários baixinhos, dirigiam-se para suas casas. Olhavam no céu a lua que hoje já bonita, se faria cheia na noite seguinte garantindo mais uma noite fantástica.

O pequeno George Paulo, estava em estado de graça, via no irmão mais velho o super homem que sabia encantar com as palavras mágicas, que o levava para tantos lugares bonitos... a conhecer tantas coisas, a desvendar mistérios e a sorrir. Nunca conhecera alguém com aquele talento, nem mesmo depois de crescido. Foi o seu grande mestre, o seu mais fiel companheiro...para os outros... “seu” Luis. Para ele e com muita honra... Manim. É um dos motivos que o faz amá-lo do jeito que o ama.

*salve latinhas - Brincadeira de esconde esconde

*cintinas - privada de buracos escavados no chão nú. Faz-se uma choupaninha em sua volta.

*Boa Sorte - irmãos Vicente Ferreira, donos de uma indústria da época em Araguaina

*Queimar - achar, descobrir o esconderijo

*furupa - babunça, euforia, evento desordenado.

*bater a pedra - sorteio para se iniciar uma brincadeira coletiva.

* magote - grupo no sentido de ajuntamento.