Um longo amor

Um longo amor

O amor em sua essência sutil espalha seu perfume especial atravessando tempo,

Espaço, invadindo os arquivos de nossa memória. Vezes, quando sopra o vento

Mais forte, empurrando as nuvens do passado da existência, podemos sentir a

formação de uma verdadeira tempestade. A chuva logo começará a cair,lavando

nossas almas, retirando a poeira do tempo, aliviando-nos a dor suprema,transbor-

dando em lágrimas represadas do sentimento saudade.

Tarde de Outono,Ormina foi a casa de uma amiga.Estava magra, deprimida,

olhos fundos, cabelos sem brilho, encarnava a tristeza, nos ombros caídos pesava-lhe a dor forte da perda recente de seu único filho. Foi recebida pela amiga, que

Se desmanchou em solicitude, oferecendo-lhe café, biscoitos. Ela só queria desabafar, por um momento livrar-se da angústia, que lhe oprimia o peito e amenizar sua solidão.

Vinha perambulando pelas casas amigas que a recebiam,sem saber como auxiliá-la em tão triste fase de sua vida.Octogenária, tinha apenas uma irmã e um casal de sobrinhos. Sua família tentava,às vezes,ajudá-la, mas não era o suficiente.

Maria a amiga fez-lhe um convite para visitar o centro de estudos espíritas que ela

Freqüentava.Ormina não era muito instruída nesta filosofia. Depois do divórcio, da doença do filho parece até que tinha se afastado de Deus,pois uma certa revolta se instalara em seu âmago, como se tentasse culpar a Deus por todos os seus insucessos e desilusões. Ficava horas absorta nas lembranças e chorava tanto que parecia que suas lágrimas iam se transformar num rio, e invadir as casas, o mundo inteiro, tão grande era sua dor.

No dia combinado ela compareceu a reunião naquela instituição. Assistiu uma palestra, fezum lanche que era sempre oferecido pelos promotores do encontro e depois foi apresentada a uma dezena de pessoas que formavam o grupo da terceira idade. Ficou bem atenta em todos os depoimentos presentes e quando chegou sua vez:Levantou-se, sem muita firmeza, olhou a todos os cumprimentou e apenas disse: - Meu nome é Ormina, vim aqui a convite da Maria. Estou de preto porque estou de luto.Meu filho único era soropositivo HIV e nos últimos anos lutou como um herói. Sofri demais com ele doente, e após sua partida, sinto que estou acabando. Estou muito triste e nem sempre para ser honesta acredito em Deus. Sentou-se parece que sentia-se aliviada de um peso enorme.As pessoas presentes ouviram e se calaram por alguns segundos.Outras depois lhe deram as boas vindas com palavras gentis. Os minutos se passaram muito rapidamente, e Ormina se esqueceu de sua dor. Voltou com Maria para casa,mas antes de ir embora deu uma passadinha na biblioteca e quando soube que poderia pegar alguns livros emprestados,entrou, folheou alguns,depois voltou-se para a companhia da amiga e foram embora.

Ormina ficou esperando a semana inteira para assistir a próxima palestra e depois de alguns meses,fazia a coordenação de um grupo de senhoras que faziam um trabalho voluntário de assistência social a mães carentes e futuras mamães. O crochê,o tricô e os bordados voltaram a fazer parte de seu universo feminino, há muito esquecido. No contato com a dor dos outros que necessitavam de sua assistência e no calor de repartir o grande amor que residia no fundo de seu ser, a chama divina se reacendeu rapidamente incendiando a vida de Ormina, de tal maneira, que as companheiras e companheiros não a reconheciam mais.Estava muito mais animada,fortalecida,apesar de ainda um pouco triste tinha serenidade na expressão e no olhar.

Certa manhã acordou sentindo-se leve.Lembrou-se logo do sonho. Estava em um jardim colorido onde diferentes espécies de flores desabrochavam,preenchendo a atmosfera com sutil perfume.Sentadaemum confortável banco,Ormina, viu ao longe um vulto se aproximar e reconheceu Carlos sorrindo caminhando ao seu encontro. Trazia um enorme jarro nas mãos.Correu para abraça-lo.Ele descansou o jarro no banco e a apertou prendendo-a fortemente num abraço que atravessou as dimensões, o tempo e o espaço. Lágrimas surgiram em sua face, eram lágrimas de emoção e felicidade.Tantotempo, tanta saudade, tanta solidão. Carlos estava bonito, parecia tranqüilo e em paz ao dizer-lhe: - Mamãe estou muito orgulhoso de você. Trouxe-lhe este presente,apontou-lhe o jarro dizendo tem um perfume maravilhoso você vai gostar.Ormina estava surpresa,ele continuou: Durante minha viagem,recolhi todas as suas lágrimas de saudade e dor. Seu amor tão profundo está dentro deste jarro, foi transmutado neste perfume,guarde-o com carinho, quando a saudade apertar, lembre-se do jarro, aspire o perfume, onde eu estiver sentirás minha presença. Você me dedicou um longo amor, e este amor tem me ajudado a compreender que a morte não existe. É apenas uma mudança de estado. Continuou sorrindo.Ormina lembrou-se ainda por muito tempo do sonho.Às vezes ao fazer tricô,sentia o sutil perfume, às vezes em visita aos asilos e aos orfanatos.Até que um dia seus olhos cochilaram em cima do trabalho que fazia, e se abriram ao lado de Carlos.No espaço sorria um sol divino em todo o seu esplendor, iluminando aquele recanto do universo, como um longo amor, ilumina nossas vidas.