O VALOR DA LIBERDADE ( O CANTO DO COQUI)
O VALOR DA LIBERDADE ( O Canto Do Coqui )
( Celismando Sodré - Mandinho)
Numa cidade muito pequena do interior, no sertão seco e miserável; moravam Pedro e seu pai o pedreiro Joaquim. Pedro era um garoto sensível que havia perdido a mão aos dois anos de idade. Estava com oito anos de idade e estudava a segunda série da escola municipal. Gostava de pescar e amava a liberdade acima de tudo. Seu relacionamento com o pai era frio e distante, e havia uma séria divergência entre eles; é que o velho tinha muitas gaiolas onde criava várias espécies de pássaros, contrariando o garoto, que queria ver aqueles animais soltos e livres voando pelas matas. Dizia sempre para o pai:
- Acho que os pássaros, quando cantam nas gaiolas, na verdade estão chorando.
Mas era sempre repreendido pelo insensível pai:
- O que é que você entende de pássaros e do mundo? Eles cantam é de alegria, pois não lhes faltam comida e água.
O garoto nunca conseguia convencer o seu pai da importância da liberdade para aqueles pássaros.
Uma vez Seu Joaquim fez até uma experiência, para demonstrar a seu filho que ele estava certo, soltando um velho pássaro preto (Coqui) para provar que ele sempre voltava. E foi o que aconteceu, deixando Pedro com muita raiva do velho pássaro preto. “porque ele não foi embora, viver livre como tantos outros?” pensou o menino na sua mais pura inocência. Era como se aquela experiência provasse que o pai tinha razão.
Um dia Pedro teve uma idéia... uma idéia que não iria deixar seu pai muito contente: planejou abrir as gaiolas e deixar os pássaros irem embora, mesmo que tal ação pudesse lhe trazer conseqüências não muito agradáveis.
Quando Pedro estava começando a colocar seu plano em ação, seu pai chegou de repente, flagrando-o bem no momento de abrir a primeira gaiola. Seu pai ficou enfurecido como ele nunca havia visto. Foi a maior bronca seguida de uma surra que ele demorou a esquecer, embora não fosse exatamente um garoto de guardar mágoas.
O tempo foi passando e a questão do velho pássaro preto ainda lhe intrigava: “porque ele não foi embora aquele dia”? “porque ele teria que voltar para a gaiola”? então ele resolveu questionar o acontecido com seu professor de ciência, aproveitando uma aula sobre a fauna brasileira. O professor explicou que muitas vezes o pássaro capturado muito novo, quando passava sua vida numa gaiola, preso sem viver livremente na natureza, ele perdia os seus instintos naturais de sobrevivência, e passava a depender exclusivamente de seu algoz. O homem. O animal acostumava a tal ponto com o cárcere que não aprendia mais a viver em liberdade; alguns desaprendiam até a voar.
Só após as explicações do seu professor é que Pedro foi compreender o dilema do pássaro preto, porque ele havia voltado para a gaiola. Deste momento em diante, toda vez que ele olhava para o pássaro preto dava uma vontade de chorar, sem compreender o homem, principalmente quando este homem era seu pai.
N’outro dia o pai de Pedro não voltou para casa, como era de costume, e o garoto ficou profundamente abalado, sozinho na sua humilde casa. Ele sentiu muito medo preocupado e chorando, pois o pai era a única pessoa que tinha na vida. Pensou em sair pela cidade a procura, mas, como sair? Como um garoto poderia enfrentar a noite sozinho, altas horas, para procurar o pai? Depois de muito tempo ele adormeceu no sofá e logo que amanheceu ele saiu a procura do seu velho, perguntando as pessoas onde poderia encontra-lo. Obteve a informação de que ele teria passado a noite numa cela, na delegacia da cidade. Chegando ao local ele encontrou seu pai revoltado por ter passado a noite preso. É que ele tinha bebido além da conta e se envolveu numa briga e numa discussão com a polícia.
Depois que foi solto e sem conformar com o ocorrido, ele foi para casa humilhado e envergonhado, dizendo que tinha sido muito injustiçado por ter cometido uma pequena falha, e ter sido tratado como um animal. Durante muito tempo seu pai permaneceu calado sem aceitar o ocorrido. Neste tempo todo Pedro achou que poderia utilizar o exemplo para conseguir o que sempre quis. Conseguir a libertação dos pássaros nas gaiolas. Era a oportunidade que sempre esperou, acontece que toda vez que tentava criar coragem, sentia um certo medo da reação do seu pai.
Mas um dia a coragem foi maior que o medo, e ele chegou sutilmente, de forma muito carinhosa e com cuidado falou:
-Pai, senti muito o que aconteceu com o senhor, porque o senhor é meu pai, a única pessoa que tenho na vida. Mas eu gostaria de fazer um pedido. O senhor passou apenas uma noite preso por ter desrespeitado às autoridades. O senhor errou e não se conforma por ter paga o seu erro. Imagine os pobres pássaros que há anos estão engaiolados sem terem cometido um único crime, eles que são totalmente inocentes.
-Neste momento seu Joaquim calou-se profundamente, abraçou o filho e chorou. Já não era aquele homem duro de antes, ele disse: filho, eu nunca havia percebido como você é precioso. Eu já vinha consultando minha consciência que martelava diariamente e agora entendo o que você sempre quis me dizer. É claro que atenderei seu pedido.
Naquele momento, além de admitir que o garoto tinha razão, ele também percebeu o precioso garoto que ele tinha em casa. Seu Joaquim finalmente compreendeu o valor da liberdade, soltando todos pássaros e quebrando todas as gaiolas, ele prometeu ao filho que jamais iria aprisionar qualquer animal, que nunca mais iria tirar a liberdade de nenhum pássaro.
Mas, o velho pássaro preto não conseguiu ir embora, não sabia mais sobreviver livre, nas matas e nas florestas. Ele passou a viver no quintal, triste e as vezes cantava como se estivesse chorando. Um dia um gato faminto aproveitou e devorou aquele animal indefeso.
Depois daquele exemplo, seu Joaquim e seu filho Pedro ficaram mais unidos e se aproximaram mais. Porém, nenhum dos dois, jamais se esqueceu do episódio do triste pássaro preto, e ainda hoje sempre escutam ecoar nas suas memórias, o canto do Coqui.