O assalto ao açougue
O assalto ao açougue
A inauguração do açougue tinha sido ideia da mulher do açougueiro. Afinal, era o primeiro açougue da Campina da Cascavel e merecia toda a pompa que a ocasião permitiria. Bandeirolas, fitas, balas e vinho, deram o toque de luxo àquele comércio vanguardista que batia nas portas da cidade.
Conforme falou o superintendente em seu discurso de inauguração, a cidade estava crescendo e estaria disposta e de braços abertos a receber todos os comerciantes que gostariam de se instalar por aqui. Mas ninguém escutou.
O Ubiratã, dono do açougue e vindo do Paraná, mostrou a todos os presentes a câmara refrigerada que funcionava graças a um imenso gerador que trouxe de São Paulo para que as carnes ficassem sempre frescas. Era o progresso. Em cada instrumento mostrado – mesmo que fossem somente facas - recebia uma exclamação da população, que nunca tinha visto nada igual.
Logo, o Ubiratã, ou Bira como era mais conhecido, começou a receber carnes para o seu açougue e vendia muito, todos os dias. Para aqueles que tinham o seu próprio rebanho, mas não queriam guardar os pedaços na banha, o açougue servia como uma espécie de “banco”. O dono da carne levava seu produto até o estabelecimento daquele cidadão, recebia um recibo constando peso, partes e dia do depósito. Quando lhe aprouvesse, poderia retirar mediante um pequeno pagamento, que era para as despesas do óleo diesel do gerador.
O negócio ia bem e o Bira enriqueceu. Sua esposa era vista na sociedade xanxereense e ele quase foi nomeado presidente do partido do superintendente. Quase, porque o Lindolfo, lá do Pesqueiro de Cima, lançou uma dúvida sobre o caráter do Bira durante a reunião do dito partido.
Aconteceu quando ele foi retirar parte de um depósito feito há seis meses, e além de pagar uma exorbitância pelo óleo, depois de descongelada, a carne se mostrou diferente daquela que ele tinha levado. “Diferente como?” Pediu-lhe o superintendente. E o Lindolfo lhe respondeu que havia levado ripa de costela para depósito e recebeu o garrão. E ele lembrava muito bem que o garrão tinha sido comido junto com a sopa daquele dia.
Era o começo duma investigação encabeçada pelo delegado da Campina da Cascavel e auxiliado pelo Tabelião. O Superintendente não poderia ajudar, pois estava em vias de se tornar pai por aqueles dias e sua esposa não o deixava sair.
Não foi difícil manter sigilo a respeito da averiguação, pois ninguém sabia da existência dela, e foi possível colher fatos e dados e reclamações a respeito do que era devolvido após muito tempo armazenado. Os recibos geralmente estavam guardados com a carne, amarrados à peça e ininteligíveis, pois que a água do gelo borrara todas as anotações. Era uma confusão dos diabos dentro daquela câmara. E no dia que os detetives da Campina deram uma busca dentro do açougue para acharem uma costela da Dona Conceição, o que encontraram foi a metade de um boi, tão grande, mas tão grande que a porta da câmara mal podia fechar-se.
Perguntaram ao Bira onde estavam os outros depósitos, além da costela, mas o Bira desconversou de tal maneira que delegado e tabelião saíram acreditando na lorota do açougueiro.
Mal dobraram a esquina quando escutaram o Bira gritando feito louco no meio da rua. Gritava desesperado “me acudam, me acudam”. No meio da balbúrdia, ouviram os transeuntes dizendo que o açougue havia sido assaltado. E o Bira continuava em sua gritaria histérica que o delegado e o tabelião eram cúmplices, pois quando os recebera para aquela conversa da costela da Dona Conceição, algum comparsa roubou a metade inteirinha do boi que estava guardada. Não era trabalho de um homem só, logo, tratava-se de uma quadrilha. “Em plena Campina da Cascavel, isso é um absurdo” saiu gritando e uma lágrima caiu de um dos olhos do Bira.
O delegado prendeu imediatamente o Bira pela falsa acusação e mandou chamar o Padre Dimas para que juntasse os homens e descobrisse quem era o meliante. Todos foram atrás, inclusive as mulheres e as crianças da Campina.
Mandaram uma carta ao superintendente dando conta do ocorrido, mas naquele exato momento sua mulher dera à luz, e ele falou por detrás da porta que logo mais estaria com todos para prender o ladrão.
O tabelião foi até a delegacia e disse ao Bira que estava solto, porém não haviam encontrado sequer uma sombra daquele boi roubado, disse-lhe também que fosse embora com a sua esposa, tentar a sorte em outra cidade. Que vendesse seus bens e pagasse àquela pobre população que havia confiado seus produtos ao açougue. Que fizesse tudo e que não voltasse, era uma ordem do delegado.
Naquela noite, todos festejaram a partida do açougueiro corrupto e o nascimento do neném do superintendente com um grandioso churrasco, lá na Igrejinha Amarela.