A MOTO ENDIABRADA
A MOTO ENDIABRADA
Seu João Quebra Queixo acordou alegre, coisa rara, "e mais
alegre a natureza", como disse Luiz Gonzaga, o Gonzagão, na sua Volta
da Asa Branca. Ora, em pleno mês de abril o inverno estava uma maravi-
lha. Os riachos e rios escorrendo muita água, claro pois não podia ser fo-
go. Os passarinhos cantando, pintassilgos, canários, graúnas, num canto alegre e mavioso. Parecia que estavam agradecendo ao Criador por tanta
bondade para aquele sertão que quatro meses antes estava mais seco do que língua de papagaio. Bom, mas sempre meto o badalo quando vou contar as estórias de Seu João. Enfim, a estória é dele. Então vamos deixar de frescuras e mão na massa.
Seu João Quebra Queixo fora incumbido pelo patrão, o coronel
Fredegoso, para ir ver e avaliar umas cabeças de gado bovino que o coronel queria comprar. Quase nada, somente duzentas vaquinhas e só Seu João com sua velha e vasta experiência para fazer um bom negócio. Como o caminhão e o jipão de guerra estavam no prego, só res-
tava uma moto possante, que chamavam de Índia, para fazer a viagem
até Parnaíba no sertão do estado vizinho do Piauí. Seu João não sabia
dirigir carros, mas pilotar motos era exímio. Saiu cedo naquela motona
americana que roncava mais do que porco gordo. Errou o caminho, passou por um povoadozinho chamado Cocal. Parou, perguntoue fez o
resto do percurso até a fazenda que ficava perto de Parnaiba. Fechou o negócio e sem mais delongas fez o caminho de volta. A estrada era de barro, isto é, nao era asfaltada porque preto naquele tempo somente as
asas da graúna e de outros bichos que Seu João não quis dizer. Acelerou a "bichona" apertou no acelerador e o ronco ecoou por todo o sertão como se fosse um trovão. Queria chegar logo em casa e dormir com sua velha.
Acelera, acelera e eis que de repente surge em sua frente três vacas que iam atravessando a estrada, sem pressa, vagarsamente. Aquela arrogância calma de vaca zebu. Seu João viu-se perdido, já que ia com mais de 100 milhas no velocimetro da moto. Nada nao, mais ou menos 150km de velocdade. Seu João viu a morte de perto com aquela foice medonha e a cara de caveira. Valeu-se logo do seu santo de devoção.
-Valha-me meu São Francisco das Chagas de Canindé.
Veio-lhe uma força estranha, ficou em pé no selim da moto
e com um impulso formidável deu 4 saltos mortais no ar, para a frente, enquanto a moto ziguezagueava sozinha por entre as vacas e ao realizar o quarto salto caiu novamente sobre o selim da moto qua ainda ia com
os 150km. Caiu tão macio no selim que não quebrou nada de suas partes íntimas. Continuou a viagem e logo chegou a Itapipoca
Nessas alturas dos acontecimntos a frente do mercado público,
onde Seu João Quebra Queixo sempre contava as suas estórias, estava
repleta de atentos ouvintes. Ah, meu Deus, mas do meio da multidão
surge o danado do Zé Capote que, nao sei se por zombaria ou por ignorância ou por falta de miolos no cérebro, pergunta:
- Mas seu João como foi que essa moto passou no meio das vacas e nem se esborrachou no chão? Ela estava endiabrada?
Desta vez os olhos de Seu João avermelharam-se de repente
e fungando mais do que um cachorro doido, arrastou a faca de ponta
da cintura, com a mão direita, e com a esquerda segurou o saco do Zé Capote gritando como um possesso, parecendo ter no corpo o rabudo do Demo:
-Cabra fila da puta misturado com égua, desta vez te castro e vais ficar
sem fazer menino e mais gordo do que um porco cevado.
Antes do ato consumado, aparecem cinco amigos de muita força e conseguiram retirar o Zé Capote das maos de Seu João.
Se João assegura que o fato se passou em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial.