O dia que meu desejo foi realizado.
Todos os dias, a rotina lá em casa era sempre a mesma. Ao preparar nosso café, minha mãe conferia nossos materiais e nos mandava à escola. Eu e minhas irmãs caminhávamos cerca de dois quilômetros para chegar ao nosso destino.
Aquela era uma época em que o perigo ainda não estava tão presente. Não havia maldade nas pessoas, todo mundo se conhecia e se respeitava.
Meu pai trabalhava duro para manter a casa e a situação não era fácil. Ele se virava como podia e percebíamos sua aflição quando pedíamos por algo que ele não podia comprar.
Na escola, os mais afortunados já calçavam o novo par de tênis que era tendência entre a criançada, o Allcolor, com uma listra vermelha e uma azul, enquanto eu ainda calçava o meu modelo Conga. Compreendia a situação lá de casa e não pedia diretamente para que meu pai os comprasse, mas ele percebia minha angústia.
Meu desejo de ter um tênis igual ao da “turma” era tão forte que vivia pedindo a Deus pelo presente. Rezava todos os dias para que ele pudesse melhorar o salário do meu pai, pois só assim ele teria condições de comprá-lo.
Passaram-se alguns meses e nada de conseguir meu calçado novo, mas nunca desisti e continuava acreditando que Deus iria me atender.
Mesmo que eu viva cem anos, jamais esquecerei daquela segunda-feira de 1973. Estávamos indo à escola e percebemos um movimento diferente na rua. O mais impressionante é quem ninguém parecia ver aquelas moedas reluzindo sob o reflexo do sol. Aproximei-me para ver melhor e notei algumas notas e moedas no chão. Apanhei-as e mostrei-as às minhas irmãs. Aquela era a quantia exata que eu precisava para comprar o calçado tão desejado.
Meu coração bateu acelerado e mal consegui estudar naquele dia. Não via a hora de chegar em casa e contar para minha mãe.
Ela parecia não acreditar, mas pediu que eu guardasse o dinheiro e esperasse alguns dias para ver se alguém apareceria em busca da quantia. Passaram-se três semanas e, como não descobrimos a quem pertencia, ela me autorizou a comprar o calçado tão desejado.
O que me impressiona até hoje foi que ninguém mais foi capaz de enxergar as moedas que reluziam e totalizavam a quantia exata que eu precisava.
Talvez a minha inocência, o meu coração ainda puro de criança e livre da maldade do homem tenham feito com que Deus me ouvisse e me tornasse especial.
Guardo até hoje como um troféu o que sobrou daquele calçado, para que eu me lembre das minhas raízes e nunca perca a humildade.
Hoje sou um homem e, infelizmente, parei de raciocinar como criança, falar como criança e não mais possuo os objetos da infância, mas ainda conservo comigo a caridade e a bondade daquela época.
Se eu fui agraciado, a única forma de retribuir é com a caridade. Ainda que subsista a fé e a esperança, sem caridade nada seremos.