= O príncipe (des)encantado =
Lá nos confins do sertão, amanhece um novo dia, na fazenda do Seo Zé Maria.
A passarada acorda em algazarra, cantoria e alegria.
Na cozinha, à mesa do café, Seo Zé fala com a filha:
- Zefa, minha fia, hoji di noite ocê se aprepara, qui vai vim aqui um rapaiz qui ieu iscoí
pa sê seu marido. Dizi puraí qui ele é de famia quase boa, de muitas posse... Cê sabe que tenho dó di vê ocê ansim, quase ino pro caritó.
A mãe só ouve. Nada fala. O marido não lhe permite essa ousadia.
A moça passa o dia se ajeitando, idealizando seu “príncipe encantado”.
Junto com a noite, eis que chega o galalau.
Não vem montado num belo cavalo e sim num pangaré, que mal parava em pé.
Nas mãos que ela imaginou cheia de flores... Nenhuma, nadica!
Suando em bicas, em cada sovaco, uma enorme “pizza”.
Seu desodorante Avanço, se é que ele usou um dia, devia ter vencido a anos.
Nas conversas que antecedem o jantar e o “noivado” o galalau alardeia sua riqueza.
Diz ser dono de uma boiada, que por estar começando, só conta com 500 mil cabeças.
Diz que a grande riqueza da família vinha da plantação de café.
Que para visitar a plantação toda, dá uma viagem de uns cinco dias de jipe.
Ao que Seo Zé não resiste ao chiste:
- Ieu tumém já tivi um jipe ruim ansim.
Seo Zé só fica imaginando quanto vai lucrar com o casamento.
Prosa vem, prosa vai, é servido o jantar.
O “noivo” não é lá de boas maneiras.
Come de boca aberta, fala de boca cheia.
Verdadeiro glutão, parecia uma betoneira.
Totalmente diferente do seu príncipe tão sonhado.
Quando a mãe foi até a cozinha buscar o bule de café, ela pediu licença, levantou-se
da mesa e foi também.
Abraçou a mãe à beira do fogão:
- Mainha, com esse sujeito eu não caso não! Só tem garganta com todo esse tamanho. Cara mais tacanho! Soubesse que ele era assim, eu nem tinha tomado banho!
Dizem que até hoje ela ainda espera um príncipe.
Velhinha, sozinha, dando de comer para as galinhas.
O caritó nem é tão ruim assim.
= Roberto Coradini {bp} =
25//04//2015