São José do Nariz Quebrado

(casos de família, colocando em pratos limpos).


Até admito ter sido, talvez ainda seja, um rebelde. Uma pecha construída pelos meus irmãos. Me rebelei sim, em diversas situações, diga-se de passagem, justas, que ora informo, não necessariamente nesta ordem:

* Ao desviar o rosto do soco que levaria do meu pai e que atingira meu irmão, Carlos. Muito justo, pois fora ele quem não debulhara o milho;

* Botei fogo no pasto duas vezes, admito, porque meu pai não quisera me dar um par de botas. Trabalhava descalço e os bezerros pisavam os meus pés nas madrugadas de ordenha das vacas;

* Brigava muito com a minha irmã Gessi, que se recusava a colocar água na bacia, para eu lavar os pés;

* Também é verdade que quase quebrei alguns dentes de minha recém cunhada, Helena, por conta de ciúmes pré-adolescente;

* Que fugi de casa aos dez anos de tanto trabalhar e apanhar;

* Que ficava rodeando a ajudante de minha mãe, a negra Dona Geralda, para olhar as suas coxas, afinal estava na fase inicial de uma libido, da qual não tinha a mínima noção;

* Que fiz poeira na estrada, para irritar a Helena, coisas de menino;

* Que ao vender laranjas na rua, tirava uma quantia, para jogar sinuca e ir ao cinema;

* Esta aqui foi terrível e até hoje me puno: amarrei palhas secas de milho no rabo de uma gata e botei fogo;

* Que colhi, às escondidas, frutos no pomar do GAC (Ginásio Agrícola de Colatina - ES), onde estudei, por três anos, em regime de internato;

* Por último, porque outras levarei para o túmulo, nego ter sido eu quem quebrou o nariz de São José. Explico. Rezávamos o terço todas as noites, em frente a um oratório com as imagens da sagrada família: São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus. Durante o terço percebi o nariz de São José quebrado e interrompi a reza, para mostrar à família. Todos caíram na gargalhada. Até hoje não sabemos quem quebrou o nariz de São José.