O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA

Há pessoas que tem um tom de voz muito animado, acima dos decibéis permitidos à audição humana!

Há pessoas que falam alto, gesticulam; quando conversam, até parece que estão entrando numa briga.

Isto o é natural e muito comum entre nós afeitos à discussões vibrantes e acaloradas, enfim, gostamos de dizer as coisas em bom tom para que Deus e a vizinhança toda escutem e entendam bem o que estamos falando.

Porém, há pessoas que mudam o tom de voz de acordo com a necessidade e com a pessoa com a qual estão falando.

Minha amiga Maria Angélica era assim: Para os pais, irmãos, pessoas com as quais convivia cotidianamente, usava um tom de perfurar os tímpanos de humanos e desumanos.

Para o namorado, família de namorado, amigos, professores, pessoas a quem era subordinada no trabalho, usava um tom melodioso, uma voz doce e macia que até parecia com o canto de um passarinho.

Agora, em se tratando de falar, dar ordens, passar tarefas aos subordinados, saiam de baixo! Era um Deus nos acuda! Uma metralhadora, uma coisa do outro mundo, parecia um trovão.

Certo dia aconteceu uma coisa mais que engraçada:

Angélica, na sala de trabalho, passando- nos as observações de costume, teve que parar para receber um jovem representante de uma empresa que estava prestando serviço ao órgão em que estávamos trabalhando.

— Bom dia! - Disse o jovem, em um tom tímido, muito educado, pois já era conhecedor da potência da voz da pessoa com a qual estava falando - trouxe-lhe o relatório referente ao serviço que a empresa está contratando, etc., coisa e tal...

Angélica, competentíssima, de uma inteligência rara, olhos rápidos e vista de longo alcance, tal qual olhos de lince, deu uma espiada e, de imediato, passou a detectar as falhas do desarrumado relatório.

Até que o pobre rapaz havia se esforçado para fazê-lo a contento, mas - meu Deus do céu - estava mesmo muito aquém do contratado!

Após o minucioso exame, ela - a todo vapor - começou a repreender o rapaz, num tom acima de todos os tons previsíveis neste mundo da escuta, enfim, parece que multiplicou por mil o volume do gogó, só para ter o prazer de chamar a atenção do infeliz e passou a elencar todos os defeitos do malfadado relatório, de uma maneira tão enfática, tão veemente que assustou aos demais funcionários que ali estavam, os quais ficaram estupefatos e envergonhados, tamanho foi o destempero da chefe Angélica.

Ele escutava tudo, bem quieto, caladinho, de braços cruzados!

Quando a chefe já estava arfando, rouca de tanto falar, ele – chegando bem pertinho dela , quase colando o ouvido à boca da megera – simplesmente falou:

— Por obséquio, eu gostaria que a Senhora falasse um pouco mais alto. Eu sou meio surdo! Não consegui entender nada!

— O Senhor só pode estar caçoando de mim! Eu não admito gracinhas...

E ele continuou:

— É a mais pura verdade! Eu gostaria que a senhora aumentasse mais o tom. Preciso ouvir melhor tudo o que foi dito!

A esta altura nós, na condição de simples espectadores daquela saraivada de palavras, já estávamos com um sorriso preso na garganta e um gostinho de vingança por ver que aquele jovem, com muita simplicidade, havia dado à nossa destemperada amiga, uma bela lição de polidez.

Ela, encabulada, pediu desculpas. Disse que sempre falou naquele tom, que ele não ficasse chateado, que corrigisse os enganos e voltasse depois para uma nova conversa.

E daquele dia em diante - para a nossa alegria – nunca mais ouvimos aquele tom estridente que mais parecia o ribombar de um trovão, principalmente quando se tratava de distribuir as tarefas, o que ela fazia com um prazer imenso, tal qual um feitor na era da escravidão.

***

O nome Maria Angélica é fictício.

Maria Do Socorro Domingos

João Pessoa, 18/01/2015

Mariamaria JPessoa Pb
Enviado por Mariamaria JPessoa Pb em 21/03/2015
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