683-O ALPINISTA E A CORDA-Histórias da Vovó Bia # 12
Histórias da Vovó Bia - # 12
Vovó Bia sabia de histórias do arco da velha, como ela própria dizia. Além disto, gostava de ler e seu repertório aumentava constantemente. Repassava aos netos os relatos de fatos recentes ou antigas histórias, que ela contava adaptadas e por vezes, modificadas, para mais agradar os netos.
Quando lia algo bizarro, diferente, de fundo moral, ela vinha logo narrar uma história à sua platéia cativa.
— Li hoje sobre um alpinista que chegou à montanha mais alta do mundo, o Everest. — Onde fica esta montanha, vovó?
— Fica na Ásia. Todos os alpinistas sonham em chegar ao seu topo, um dia, Mas para realizar uma façanha desse tipo, é preciso muita coragem, persistência e fé.
Os meninos ouviam o preâmbulo, sem saber o que viria a seguir. A curiosidade aumentava.
—Fé para subir montanha, vovó? Acho que precisa é ter muita resistência. – Toninho sempre tentava mostrar que sabia alguma coisa do assunto.
—Pois então vou lhes contar a história do alpinista que não tinha fé.
E começou:
Era uma vez um alpinista que procurava se superar em cada tentativa de galgar uma montanha. Sempre mais alta do que a anterior. Não tinha limites, expunha-se ao frio e à neve, aos perigos e às tempestades, sem nada temer.
Ia de continente a continente, e em cada cadeia de montanha cravava sua bandeira.
— Agora é a vez do Aconcágua — disse aos amigos. — A montanha mais alta das Américas.
Como queria a glória só para ele, resolveu escalar sozinho. Nenhum companheiro. Deixou de lado os amigos que com ele costumavam enfrentar os desafios do montes gelados.
Preparou-se muito bem para a escalada, com equipamento adequado, alimentação, roupas quentes, enfim, tudo que era necessário para a importante e difícil escalada.
Na última etapa, no dia em que esperava atingir o cume, começou cedo a jornada. Ao entardecer, estava a pouca distância do cume e não quis acampar.
Anoiteceu. A noite desceu como uma cortina negra. Uma névoa envolveu a montanha. O alpinista não conseguia ver um palmo à frente. Mas sabia a direção em que devia prosseguir.
Subindo por um paredão, a apenas cem metros do topo, ele escorregou e CAIU!
Despencou por um precipício aparentemente sem fundo. A velocidade com que mergulhava na escuridão era vertiginosa. Ele percebia pelas manchas brancas que passavam cada vez mais rápidas, como relâmpagos na escuridão.
Naqueles momentos angustiantes, passaram por sua mente todos os momentos importantes de sua vida, recordações de tempos idos e lembranças recentes. Momentos alegres, tristes, de felicidade ou de tristeza.
De repente, ele sentiu um puxão forte, que quase o arrebentou.
SHACK!
Como todo alpinista de experiência, ele havia cravado estacas de segurança, fortes pinos de ferro, à medida que ia subindo pela lisa parede. Nesses grampos ele havia passado uma corda comprida e resistente, que fixara em sua cintura, passando também pelas pernas e ombros.
Ficou suspenso no ar, na mais completa escuridão. Silêncio absoluto. Sabia que não havia possibilidade de ajuda de nenhuma espécie, pois ele fizera questão de subir sozinho.
Arrependeu-se amargamente de sua arrogância orgulho. Passou alguns momentos pensando... pensando...
Lembrou-se então dos ensinamentos que recebera de sua mãe, que lhe dizia:
— Para vencer na vida devemos trabalhar, esforçar e ter muita fé em Deus. Quando tudo mais falhar, a fé em Deus nos salva e no dá força.
A lembrança daquelas palavras despertou nele a lembrança de Deus.
Há quanto tempo não faço uma oração, pensou.
Então, gritou com toda a força que lhe restava
— Oh, meu Deus, me ajude!
O grito ecoou pelas paredes do precipício. Depois, um profundo silêncio.
Acho que não preciso gritar para Deus me ouvir, pensou o homem.
De repente, uma voz grave, profunda e forte vinda do céu respondeu:
— O que quer de mim, meu filho?
— ME SALVE, MEU DEUS, POR FAVOR – gritou novamente o alpinista.
— Você acredita de verdade que eu posso te salvar?
Lembrou-se novamente da mãe, dizendo-lhe sobre a fé em Deus. E respondeu:
— Sim, eu tenho certeza. Tenho fé em Deus.
A voz do alto então falou:
— Pois corte a corda que te mantém suspenso no penhasco.
Silêncio. O alpinista pensou:
Se eu cortar a corda, como Deus está mandando, aí sim, caio de vez no fundo do precipício e morro, com certeza.
O homem se agarrou mais ainda à corda e não fez o que Deus lhe mandara.
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Vovó fez uma pausa e olhou para os dois netos, que, de olhos arregalados, ouviam a narrativa sem dar um pio. Tanto Arthur quando Tonico estavam empolgados, talvez até assustados com a narrativa.
Então ela concluiu:
— Como o alpinista não voltou, uma equipe de resgate foi procurá-lo. Encontraram corpo congelado. Morto, duro, agarrado com força com as duas mãos a uma corda...
E apenas a um metro do chão.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 18.agosto.2011
Conto # 683 da SÉRIE MILISTÓRIAS