A MOÇA DO CINEMA

Noite passada, em uma noite dessas que o som estridente dos discos passou a ser ambiente a todos os vizinhos do bairro. Em que o freezer não vence gelar as inúmeras caixas e mais caixas de cerveja. Em que o chão da casa torna-se o depósito das cinzas de cigarro que misturam-se com os pingos derrubados dos copos com liquido boêmio, sem com que houvesse qualquer propósito para isso, afinal éramos todos amigos. Foi em uma noite dessas, em plena segunda feira que um casal de amigos nossos, mostraram-nos qual o sentido da verdadeira amizade. Enquanto eu e seu marido, Maur brincávamos de discotecar as mais variadas faixas dos discos em nosso programa de mesclar música, sua mulher dava aulas de filosofia de vida ao meu colega. Por óbvio eu seria o próximo, e no momento em que me desloco até a cozinha, eis que está vem ao meu encontro. Seus olhos, assim como a de uma vidente ou cigana, faiscavam por revelar-me um segredo. Assim ela disse, com seu sorriso de canto e um olhar enigmático.

--- Anderson meu querido, quando você estiver na pior em que tudo parecer dar errado, e nada mais parecer fazer sentido ou valer a pena. Quando você estiver no fundo do posso questionando-se até mesmo sobre o porquê, para que ou por quem você vive. Não se de por vencido, aproveite-a, saiba como ninguém a curtir sua foça!

Ela disse-me isto, tal como escrevi segurando em meu braço esquerdo enquanto estou a sua frente com ambos cruzados. Confesso que no momento, já alcoolizado não dei grande importância ao que esta mulher sábia, disse-me e preparava-me. Hoje teimo em acreditar, mas devo confessar que muitas das coisas que acontecem conosco em nosso cotidiano, não poderia em hipótese alguma ser obra do acaso. O dia seguinte, pós-bebedeira da plena segunda feira, que o diga. Apenas uma coisa acaba com um homem, detona-o e joga-o ao chão como se fosse um reles tapete vermelho, para que um sapato fino de salto agulha número 40, desfile por cima. Digo isto, por que é assim que nos sentimos quando somos por uma mulher, vistos meramente como um paspalho crescido.

Havíamos marcado um encontro, eu e a garota mais linda de todos os campos gerais, na terça a noite pós-bebedeira de segunda. Estava muito animado com o nosso encontro, sentindo-me nas nuvens por algo que realmente valeria a pena investir. As horas após o almoço da terça não passavam, se rastejavam com a maior falta de vontade. Foi assim, quase que o dia todo. Para tudo e para todos eu mostrava um sorriso incontrolável, quase que intrínseco ao meu rosto. Após as aulas da faculdade tomo o meu banho mais demorado da história, cantarolando para as espumas e para toda água que caia sobre meu corpo. Tudo era belo e magnifico, momentos antes de encontrarmos um ao outro. Coloco a minha melhor camiseta e jaqueta, esborrifo-me sem dó, com a quantia necessária para conquista-la, de minha melhor água de cheiro. Pego a carteira da estante e vou-me ao seu encontro.

Tínhamos marcado o encontro na seção de cinema que ocorre todas as terças feiras no Cine Teatro Ópera. Ela estaria na quarta fileira de poltronas contando como de quem entra pela porta do teatro. O combinado é que ela guardaria um lugar ao seu lado, pois eu chegaria alguns minutos após o início da sessão. Pressenti ao entrar na sala daquele maldito teatro um aperto no coração e uma leve sensação de que estava no local errado na hora errada. A moça com a qual eu desejava sentar-me ao seu lado, apenas para sentir seu perfume que significava para eu, a materialização de uma efêmera deusa, não estava lá. Noto isto antes mesmo de adentrar à sala. Da porta que guardava o hall de entrada do prédio eu já suspeitava da infeliz e amarga ideia, dela não comparecer ao encontro.

Mesmo assim, sento-me a última fileira de poltronas e começo a buscar aflitamente por todos que a minha frente aguardavam ansiosos, pela recepção das imagens. As luzes apagam-se. Penso comigo, nada está perdido. Ela pode ter-se atrasado arrumando-se ou caso esteja na sala em meio aos demais que lá estavam eu a encontraria logo ao fim da seção. O pensamento positivo ajudou-me a superar uma de minhas piores e mais penosas seções de cinema de toda a minha existência. Ao fim do filme era claro que ela não estava lá e nem mesmo havia chego pedindo desculpa ainda ofegante, seja pelo nervosismo normal de um primeiro encontro ou pela correria cotidiana. Tudo que me sobrou foi voltar para casa cabisbaixo e muito pensativo. Vinha a minha cabeça a todo momento que ela ao menos poderia ter avisado-me com antecedência. Ao chegar em casa a primeira coisa que faço é procurar por um único aviso seu nas redes sociais e, tudo que encontro é.

---Esqueci-me de nosso encontro e acabei voltando para casa. Tomara que veja este aviso a tempo, desculpe!

Penso comigo. Nossa como ela é gentil em avisar-me desta forma, antes não tivesse dito nada. Caio em si e obrigo-me a retomar a realidade sufocante de mais uma vez ter sido feito de trouxa e o que é pior, seja verdade ou não, ter sido esquecido por ela. Lembro-me daquela que possui os olhos de cigana e prontifico-me em fazer valer a sua dica. Aproveito então mais uma foça, para escrever um novo conto e ainda insistindo no pensamento positivo. Pelo menos em meio a euforia deste encontro, ela fez-me lavar o tênis.

Jack Solares
Enviado por Jack Solares em 03/03/2015
Reeditado em 03/03/2015
Código do texto: T5156213
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