O PIERROT E A COLOMBINA

Agenor era um homem pacato. Não gostava dessa história de folia. Carnaval para ele era coisa de vagabundo, de gente sem noção. Durante o feriado carnavalesco, Agenor gostava mesmo era de ficar em casa, tranquilo, ouvindo os mozartes, betôvens, xúbertes, óperas e o diabo a quatro. Aquilo sim, é que era música de verdade, dizia ele estufando o peito!

Ele tinha ficado viúvo já há um bom par de anos e apesar de ainda ser um homem relativamente jovem, nunca mais tinha procurado mulher nenhuma para ocupar o outro lado da sua cama. Vivia do trabalho para casa. Os amigos de mesa de bar viviam tentando rebocar Agenor para curtir a noite, para levar para alguma festa, mas ele resistia a tudo. Não gostava de sair de casa.

- Eu não vou sair nem que a vaca tussa! – Falava decidido.

- Bora, Agenor, Deixa de ser abestado! Vai ter um bailezinho de carnaval lá no centro comunitário. A gente nem vai dançar. É só pra tomar umas cachaças e ver as meninas. – argumentava a curriola.

- Vô nada! Detesto baile de carnaval.

O fato é que de tanto insistirem os amigos, Agenor acabou cedendo.

- Eu vou, mas é só pra tomar umas duas cachaças e volto pra casa.

Chegando lá, no centro comunitário, o baile carnavalesco já rolava solto. Todo mundo pulando, dançando, fazendo estripulias, sujos de goma, o som dos carnavais em volume intenso e ensurdecedor. Agenor, meio contrariado, se sentou numa mesinha reservada no canto com os amigos, doido pra ir-se embora dali.

De repente, do meio dos foliões, surge uma bela loira, vestida de índia, mostrando as coxas grossas e bem torneadas. Ficou ali, próximo da mesa do Agenor, toda serelepe, se rebolando como uma odalisca.

Agenor já meio calibrado começou a admirar a moçoila indecente e ela também, começou a trocar olhares e beijinhos pras bandas do Agenor.

Os amigos começaram a alcovitar a paquera, empurrando o Agenor pro rumo da foliona, que vendo a timidez dele, veio até a mesa e jogou uma mão de confetes na cabeça do Agenor, visivelmente encabulado com a desfaçatez da moça, que chegou tão perto que propositalmente, chegou a roçar o par de coxas nele, fazendo o desgraçado se estremecer dos pés à cabeça.

- Eita, Agenor! A louraça tá a fim de se abufelar contigo! – instigava a nêgada.

- Que conversa! É muita areia pro meu caminhãozinho! – disse Agenor emborcando mais um copo duma vez só.

Ouvindo isso, a loura pegou o Agenor pelo braço, puxando-o pro meio da folia. Ele meio sem jeito, mas já encachaçado, saiu aos trôpegos com a dita moça, se saracoteando no meio do salão. Depois disso, quem foi que disse que o pacato Agenor queria ir-se embora dali? Qual o quê! O cabra véi caiu na folia, agarrado na cintura da loura destemperada. Só se sabe, pela língua do povo, que Agenor e essa dita moça, se abufelaram foi com gosto de gás. Dizem até que viram o Agenor sair do baile de braços dados com ela, bêbados como gambás, indo em direção da casa dele. Ele todo atrapalhado, apalpando a despudorada criatura, doido pra entrar em vias de fato. Isso foi o que disseram.

No dia seguinte, quarta-feira de cinzas, o falatório sobre a aventura amorosa do Agenor já tava nas mesas de bar. O pessoal tava doido pra perguntar pro Agenor como foi que terminou a noitada com a loura fogosa. Foi quando chegou o dono do bar, assim de mansinho, falando em voz baixa:

- Loura, o carai! Aquilo ali num é mulher não pessoal!

Fez um silêncio sepulcral no bar. O povo se aprochegou, os olhos arregalados, babando de curiosidade..

- Parecia uma mulher. Eu mesmo vi! – Disse um, meio desconfiado.

- Eu vi também e tinha um par de coxas, que só vendo! – Falou outro.

O dono do bar deu uma gargalhada.

- É tudo silicone, pessoal! Aquela tal loura é aquele boiola do salão de beleza, ali da esquina! Eu vi quando ele passou aqui, vestido de índia paraguaia!

A esculhambação foi geral. O pobre Agenor ficou na boca do povo.

- Comé que pode pessoal, logo o Agenor?

- Mas dá pra enganar. Eu jurava de pé junto que era uma mulher!

- O viado até que é bem aprumado!

O negócio foi o seguinte, pra encurtar a conversa: passou quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e nada do Agenor aparecer. O disgramado devia estar em casa roxo de vergonha. Era bem possível que ele não iria aparecer tão cedo, até que a fofoca esfriasse. Mas o que mais chamou a atenção, é que o cabeleireiro também não apareceu nem pra abrir o salão de beleza, o que é compreensível, diga-se de passagem. Afinal o povo preconceituoso iria tirar o couro dele com essa história do Agenor. O fato é que os dois sumiram, literalmente.

Ainda hoje se especula o que pode ter acontecido depois daquele fatídico baile de carnaval. O disse-me-disse foi geral. O falatório ganhou as ruas. Os mexeriqueiros de plantão afiavam a língua, destilando todo tipo de conversa.

Tempos depois se soube que ambos fugiram juntos para viver um grande amor, nunca visto. Agenor largou tudo, vendeu os bens, a casa, o carro e partiu com a loura fatal que impiedosamente lhe roubara o coração, naquela noite de carnaval.

Vivem muito bem em Buenos Aires. Mas o povo inventa cada história....