BISCOITINHOS AMANTEIGADOS
Todas as manhãs de domingo era o mesmo ritual, as senhorinhas da vizinhança cumpriam a sua tarefa espiritual e até "natural" {entre aspas] não fosse na matinal de um domingo onde os olhinhos de muita gente fecham-se até as tantas sem igual.
Então conto esse ca{u}so que na época de meninice causou-me extrema certeza de minha fé num ritual de muito fervor ao induzir nas mentes incompreensíveis de papai e mamãe o relato a seguir:
Segue-se, seguindo assim...
Dona Nhá, uma chatinha, digo boazinha e muito farta em sua gastronomia generosamente deliciosa e diria até indecente, pois tudo que ela fazia derretia-se na boca de muita gente e mais tarde pude confirmar essa história que parecia mais com a sagrada hóstia, porém muito mais apetitosa, não fosse Testemunha de Jeová! Oxalá!
Dizem à boca larga tal qual uma panela que tudo nessa vida não é por acaso, e somente o nascente de um sol surgindo de mansinho e bocejando sonolento espreitava o grupo de dona Nhá com tantas testemunhas a rondar já cedo a espalmar o nosso portão.
Clap! Clap! Clap! Eis que as palmas que não eram de nenhum coqueiro verdinho, mas de dona Nhá gordinha com aquela mãozinha tão santa e abençoada que pareciam biscoitinhos amendoados e crocantes... Nhác! ... nunca me passei para o canibalismo ou qualquer coisa do tipo, mas confesso envergonhada e quase engomada que aquela mãozinha eu comia!
E lá se foi a minha mãe entediada pronta para despachar aquela fornalha, melhor/pior, aquela jornada de tantas senhoras - bobinhas, digo, simpáticas - que ali estavam prontas para o seu discurso sobre Jeová. E logo atrás vinha o meu pai cheio de sono com cara de chinês velho e carrancudo. Oh, mundo, vasto mundo! ...
Os Senhores aceitam Jeová? Perguntava dona Nhá convicta. Nesse momento antes mesmo dos nãos pronunciados com irredutível volta cheguei a tempo de responder - quase ajoelhada - um sim! Imaginem um sim virtuoso e cheio de bondade. Imaginaram? Agora imaginem uma santinha de véu, anjinhos a sua volta e mãos postas - Era eu!
O meu sim foi o pontapé inicial para aquela linguagem definitiva e alquímica, porém o meu pai esperto e instruído no que tange a mítica de uma Trindade una: um Pai, um Filho e Um Espírito Santo, eu nunca entendi direito essa mistura , mas ele só falava em fé e em não procurar saber mas em acreditar piamente e não julgar. E dona Nhá toda feliz e sorridente gritava Oh, Glória a Vós Senhor, temos essa filha que te aceita de coração aberto (e com a boca escancarada, também). - Eis-me a filha desse Jeová tão querido e tão respeitado pelas moças testemunhas.
Ao final de toda aquela bênção e orações gritantes e estridentes, chegada a hora resplandecente de dona Nhá abrir uma sacolinha de plástico e abrir a lancheira abarrotada de biscoitinhos amanteigados de diversos tamanhos e formatos . E a minha alegria era eufórica, pois provei aquela delícia que corrompia até o Credo, e cri naquele momento que nada é por acaso, que nada é sem valor, só o labor daquela reza tão honrosa e cá com os meus botões: Era tudo vitória, a glória de Deus Pai ao meu convertimento à Jeová que permitiu assim provar daquelas maravilhosas hóstias amanteigadas.
Ô Glória! Ô Glória!