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DOIS PIRRALHOS DE ENCOMENDA
 
 
      A mãe é professora, lida no primário; o pai gerencia uma loja dessas que mexem com importados. Merreca de salário. Um casal jovem, matriz de dois vivos pirralhos, ainda sonha com uma criança do sexo feminino. Mas não será prenhez para já-já. Eles tentar, ainda. Esperam que as coisas melhorem. Os garotos vieram cedo, estão ficando frondosos. Só há o caso de não haver alguém confiável que os instrua com bons modos.
 
      Ora, segundo aforismo de rua, babá não educa nem disciplina crianças; ela só as põe a perder. Embora não assine isto, é o que diz o populário. Pela manhã, tudo bem. Dona Irma, que se vai com o nascer do sol, pega seus guris pelo braço e os reboca a caminho da escola na qual leciona, em dois turnos. À tarde, contudo, é que reside o quiproquó insolúvel. Faz bom naco de tempo que ela tem vidinha de parafernália, um inferno astral.
 
      Seu Abraão, ah!... Esse aí nem liga para zoada ou aperreio. Tira de letra aquilo de calma que Deus lhe deu: seu jeitão tranquilo de boi manso. Ocorre que a mãe dos petizes, educadora na forma do diploma do Instituto de Educação, à força de bem fumar o cachimbo do magistério, andou pegando no flagra o seu rebento maiorzinho. A crionça portava revista cheinha de moças nuas.
 
      Pelas normas conservadoras da mãe, aquilo de mulheres nuas era coisa do outro mundo. Um cataclismo. O achado pecaminoso encontrava-se no sacolão do guri. Nossa Senhora!... Certamente coleguinha maior do ginásio estaria repassando o traste proibido para os miúdos. E o menino só carrega nove anos em seu currículo. Após a infração, foi exemplado, obviamente, mas com um rebenque de conselhos e não tomou nenhum chá de peia. Prevaleceu, na lição, a maciez da educadora sobre o rigor da mãe.
 
      Não bastasse o agravante de Andrezinho ter-se tornado um “menino precoce”, no breviário de Dona Irma, também Lulu, o Luís, tiquinho de pouco mais de sete anos, esteve se botando. Dia desses, após assistir a uma sessão de pegas em uma novela global, fora flagrado pela avó paterna, a Dona Calu, em “funções abomináveis de masturbação”.
 
      E Lulu achara de fazer o que não devia logo na casa da avó? Dona Calu, coitada, é a pessoa mais TFP e Reino de Deus que existe na face do planeta Terra. O netinho, então, se deu mal, pois a avó é osso duro de roer: banca um fundamentalismo para além do islâmico. A velha não bateu, mas abriu o bocão. Denunciou tudo aos pais. Coisas de aborto, masturbação, mocinha solteira perder a virgindade, prevaricação, etc., tudo isto nem pensar, para Dona Calu.
 
      Mesmo com a renda familiar sendo uma bagatela que não vai além dos cinco salários mínimos, o lar do casal possui secretária doméstica e tudo o mais. Mas a moçoila é só um quebra-galho. Queixa-se a patroa que a cunhã não serve nem para botar sentido nas safadagens das crianças. As duas miudezas infantis viram é a casa pelo avesso.
 
      Na parte da manhã, a folgada Nina bota água no feijão e faz um arroz ligado que nem angu. Liga o rádio às alturas, ouve música ruim, à beça. À tarde... Bem, no turno vesperal, inteirinha, é quando a televisão entra sala do casal adentro, às bandeiras despregadas. A dona da casa não aprova o festival de ensinamentos das novelas reprisadas e dos filmes carregados de pegas eróticos. E declara isto, mas fazer o quê, se sempre ausente de casa, de segunda à sexta?
 
      Dona Calu, a sogra, já pregou aviso à nora: “- Irma, meus netos se empanzinam de tanta tevê. Quando vou lá, eu vejo isso. Estão assim, de encomenda, depravados, é por causa da Nina. Aquela cunhã é fogo. Ela é quem deve andar passando ‘escandelo’ pros meninos.” E até o discreto Seu Abraão também deixou a esposa de orelha em pé.
 
      - Amor, cuidado com esses nossos ticos de gente. A conta da luz ‘tá vindo pelos olhos da cara, Irma. Temos televisão demais, aqui. E você só na escola...
 

      Sinais de fumaça, no horizonte, talvez existissem, de fato.  A babá da dupla poderia estar contrariando as regras morais e pedagógicas de Dona Irma. A perua da Nina vivia de queixo caído na tela do televisor. E, não à toa, o comportamento avançado dos pimpolhos pode ter advindo das instruções televisivas das sessões da tarde. Se se adiantaram tanto, aprendendo pontos, lições e interesses pelo sexo, precocemente, vai-se ver que nem Freud explica.
 
Fort., 20/02/2015.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 21/02/2015
Reeditado em 21/02/2015
Código do texto: T5144490
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