POR UMA CANÇÃO DESAFINADA

Ao saber que um certo Juvêncio, professor do Grupo Escolar Treze de Maio, estava caído de paixão e resolvido a fazer uma seresta para a sua única filha, uma flor de Engrácia de vinte aninhos, o sargento reformado da Polícia Militar João Bicudo resolveu:

- Pode até fazer a tal da seresta, mas aprovação de namoro eu só dou depois de escutar a apresentação...

O professor concordou.

Na noite do concerto, João Bicudo, de tocaia na sala, ouviu quando o apaixonado menestrel ordenou um ré menor ao violão e, raspando as cordas vocais, mandou para os ares e demais ouvidos um bolorento e lamentoso bolero do seu repertório. E nem venceu os primeiros compassos, porque mais da metade das janelas se abriu, gritando a uma voz:

- Que música feia da peste! Vai cantar ruim assim na baixa da égua!

E na regência do protesto apareceu o parabellum do sargento que, com um tiro na direção do violão e outro mirando o traseiro de Juvêncio, pôs fim à chorumela. Como reforço, ainda sentenciou:

- Fora daqui com essa lambança, seresteiro de meia-tigela! Tu não vais conquistar a minha filha com esse som de cabaré, não! A menina Engrácia gosta é de música de classe, música americana, só coisa boa!

E na asa do terceiro disparo, completou:

- Do finado Frank Sinatra pra cima, seu Juvêncio! pra cima!

E morreu a paixão do professor. Com três tiros de pistola e uma canção desafinada.

ALBERTO DA HORA
Enviado por ALBERTO DA HORA em 04/02/2015
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