A Pequena Vendedora de Fósforos (conto do séc. XIX)
Era véspera de Natal. Fazia um frio intenso; já estava escurecendo e caía neve. Mas a despeito de todo o frio, e da neve, e da noite, que caía rapidamente, uma criança, uma menina descalça e de cabeça descoberta, vagava pelas ruas.
Ela estava calçada quando saiu de casa, mas os chinelos eram muito grandes, pois eram os que a mãe usara, e escaparam-lhe dos pezinhos gelados quando atravessava correndo uma rua para fugir de dois carros que vinham em disparada. Não pôde achar um dos chinelos e o outro foi pego por um rapazinho, que saiu correndo, gritando que aquilo ia servir de berço aos seus filhos quando os tivesse. A menina continuou a andar, agora com os pés nus e gelados. Levava no avental velhinho uma porção de pacotes de fósforos. Tinha na mão uma caixinha: não conseguira vender uma só em todo o dia, e ninguém lhe dera uma esmola — nem um só cruzeiro.
Assim, morta de fome e de frio, ia se arrastando penosamente, vencida pelo cansaço e desânimo — a imagem viva da miséria.
Os flocos de neve caíam, pesados, sobre os lindos cachos louros que lhe emolduravam graciosamente o rosto; mas a menina nem dava por isso. Via, pelas janelas das casas, as luzes que brilhavam lá dentro. Sentia-se na rua um cheiro bom de pato assado — era a véspera de Natal — isso sim, ela não esquecia.
Achou um canto, formado pela saliência de uma casa, e acocorou-se ali, com os pés encolhidos, para abrigá-los ao calor do corpo; mas cada vez sentia mais frio. Não se animava a voltar para casa, porque não tinha vendido uma única caixinha de fósforos, e não ganhara um vintém. Era certo que levaria algumas lambadas. Além disso, em sua casa fazia tanto frio como na rua, pois só havia o abrigo do telhado, e por ele entrava uivando o vento, apesar dos trapos e das palhas com que lhe tinham tapado as enormes frestas.
Tinha as mãozinhas tão geladas… Estavam duras de frio. Quem sabe se acendendo um daqueles fósforos pequeninos sentiria algum calor? Se se animasse a tirar um ao menos da caixinha, e riscá-lo na parede para acendê-lo… Ritch! Como estalou e faiscou, antes de pegar fogo!
Deu uma chama quente, bem clara, e parecia mesmo uma vela quando ela o abrigou com a mão. E era uma vela esquisita aquela! Pareceu-lhe logo que estava sentada diante de uma grande estufa, de pés e maçanetas de bronze polido. Ardia nela um fogo magnífico, que espalhava suave calor. E a menininha ia estendendo os pés gelados, para aquecê-los, e… tsss... Apagou-se o clarão! Sumiu-se a estufa, tão quentinha, e ali ficou ela, no seu canto gelado, com um fósforo apagado na mão. Só via a parede escura e fria em sua frente.
Riscou outro fósforo. Onde batia a luz, a parede tornava-se transparente como um véu, e ela via tudo lá dentro da sala. Estava posta a mesa. Sobre a toalha branquíssima via-se, fumegando entre toda a porcelana que era tão fina, um belo pato assado, recheado de maçãs e ameixas. Mas o melhor de tudo foi que o pato saltou do prato, e, com a faca ainda cravada nas costas, foi indo pelo assoalho direto à menina, que estava com tanta fome, e…
Mas — o que foi aquilo? No mesmo instante acabou-se o fósforo, e ela tornou a ver somente a parede nua e fria em sua frente na noite escura. Riscou outro fósforo, e com aquela luz resplandecente viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal! Oh! Era muito maior e mais ricamente decorada do que aquela que vira, naquele mesma noite, ao espiar pela porta de vidro da casa do comerciante rico. Entre os galhos, milhares de velinhas. Imagens e bolas coloridas, como as que via nas vitrinas das lojas, pendiam da árvore de natal e olhavam para ela. A criança estendeu os braços diante de tantos esplendores, e então, então… apagou-se o fósforo. Todas as luzinhas da árvore de Natal foram subindo, subindo, mais alto, cada vez mais alto, e de repente ela viu que eram estrelas, que cintilavam no céu. Mas uma caiu, lá de cima, deixando uma esteira de poeira luminosa no caminho.
— Morreu alguém — disse a criança.
Porque sua avó, a única pessoa que a amara no mundo, e que já estava morta, lhe dizia sempre que, quando uma estrela desce, é que uma alma subiu para o céu.
Agora ela acendeu outro fósforo; e desta vez foi a avó quem lhe apareceu, a sua boa avó, sorridente e luminosa, no esplendor da luz.
— Vovó! — gritou a pobre menina - Leva-me contigo! Já sei que quando o fósforo se apagar, você vai desaparecer, assim como sumiram a estufa quente, o pato assado e a linda árvore de Natal!
E a coitadinha pôs-se a riscar na parede todos os fósforos da caixa, para que a avó não se desvanecesse. E eles ardiam com tamanho brilho, que parecia dia, e nunca ela vira a vovó tão grandiosa, nem tão bela! E ela tomou a neta nos braços, e voaram ambas, em uma auréola de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe… longe da Terra, para um lugar, lá em cima, onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo, porque elas estavam, agora, no céu com Deus.
A luz fria da madrugada achou a menina sentada no canto da parede, entre as casas, com o rosto corado e um sorriso de felicidade. Mas estava morta. Morta de frio, na noite de Natal.
A luz do Natal iluminou o pequenino corpo, ainda sentado no canto, com a mãozinha cheia de fósforos queimados.
— Sem dúvida, ela quis aquecer-se — diziam.
Mas… ninguém soube que lindas visões, que visões maravilhosas lhe povoaram os últimos momentos, nem com que júbilo tinha entrado com a avó nas glórias do Natal no Céu.