O FUGITIVO

Outro dia, num gostoso bate papo com meu querido pai, tomando um chimarrão debaixo da jabuticabeira que fica em frente à porta da cozinha da casa dele, notei que ele fez uma expressão de quem queria lembrar alguma coisa, e por fim me disse:

- Tenho um caso muito interessante para você escrever! Só não sei o nome do homem, mas quem ajudou esse homem foi o tio Antônio, disse ele para mim.

E assim me contou, e eu peço licença para escrever com minhas palavras até porque não gravei este bom papear que tive com ele.

O tropeirismo era uma atividade econômica de grande importância para a região sul. Tinha uma rota que partia do Rio Grande do Sul e que ia terminar em Sorocaba.

Por volta de 1850, - meu Deus, bastante tempo, não é mesmo? -

Antônio, tropeiro dos bons, conduzia as tropas da Lapa até Sorocaba. Antônio era tio do meu avô Moisés.

Certa feita, numa dessas tarefas, ao chegar à boca da noite em Sorocaba, quando estava acomodando os animais no pasto dá de chofre com um cara, que repentinamente o cercou.

Antônio ficou amedrontado, mas fingiu coragem e enfrentou.

- O que você quer rapaz? Falou num tom alto e ríspido.

O rapaz aparentava 18 anos, estava assustado e aflito.

- Você pode me ajudar a fugir daqui?

- Como e por quê? Perguntou embaraçado Antônio.

Estou sendo procurado pela polícia, pois em legítima defesa matei um cara.

- Você viu o cara morrendo?

- Não, mas acertei uma punhalada bem no meio do peito enquanto ele por cima tentava dar um tiro em mim.

Antônio sentiu dó de ver implorando quase chorando aquele rapaz. Percebeu nele uma pessoa de caráter.

- Você sabe cavalgar?

- Não!

- Então você vai se lascar! Antônio sarcasticamente disse e continuou. Apanhe bastante congonha-de-bugre, macete bem e coloque na sua bunda para aguentar a viagem.

E concluiu:

- Amanhã, depois de receber meu dinheiro vamos trotear de volta.

No início da viagem a alegria do fugitivo era aparente, mas depois de algumas horas sua expressão de dor e incômodo ficou visível.

Antônio estava fazendo uma caridade, mas tremendamente desconfiado; enquanto cavalgava desfiava mil considerações na cachola.

- Não sei por que estou ajudando este filho de uma puta! De repente ele me mata e rouba todo o dinheiro que tenho na algibeira.

Foi pensando, se martirizando e por fim concluiu.

- Que Deus me proteja e que isto seja realmente uma boa causa.

A viagem de volta demorou quase uma semana.

O fugitivo às vezes caminhava atrás do cavalo, outras de barriga no selim sem deixar de catar pelo caminho congonha-de-bugre para amaciar e amortecer a bunda. À noite, sonâmbulo, sentava na cama e falava desesperado: “Não, não me prendam! Eu não tive culpa! Ele estava bêbado! Ele quis agarrar minha namorada! Eu fui defendê-la e o miserável sacou a arma! Não, por favor, não me prendam!

Por fim chegaram a Lapa.

Antônio acolheu o fugitivo dando a ele um canto para morar e um emprego nos ervais.

O tempo foi passando e o rapaz casou teve filhos, mas sempre buscava saber dos tropeiros que vinham de Sorocaba se tinham alguma notícia de tal crime que aconteceu assim e assado. Se eles viram, por acaso, pregado nos postes, nas árvores pelo caminho o cartaz de procura-se.

Mas ninguém trazia qualquer notícia a respeito.

Vivia feliz com sua família, mas manteve em segredo carregando sua tristeza infinita.

Às vezes sentia vontade de ir até Sorocaba para se redimir do crime, resolver por vez este tormento.

Muito tempo se passou.

Um dia, quando já na velhice, acamado quase agonizante recebe a visita de um desconhecido que ao vê-lo, muito feliz lhe diz:

- Meu caro, há muito tempo te procuro!

O fugitivo, com voz frágil, um pouco assustado pergunta:

- Mas quem é você?

O desconhecido com voz embargada diz:

- Eu sou aquele safado, bêbado que você esfaqueou. E completou:

- Quero pedir perdão a você.

O fugitivo, com algumas lágrimas e num sorriso de felicidade, livre então desse tormento que o afligiu a vida toda, dando seu último suspiro lentamente inclina a cabeça do lado.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 25/01/2015
Código do texto: T5113309
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