635-O CORPO DE DEUS ACABOU
— Santa Apoteose! Veja, Noveloni: a igreja está lotada. — O pároco não esconde sua alegria. — Os missionários converteram todos os moradores.
— Sim. A cidade inteira está aqui pra assistir a missa, responde o sacristão.
Referiam-se ao trabalho dos padres missionários que, de dois em dois anos, visitam a paróquia e fazem um belíssimo trabalho de re-avivamento da fé entre os católicos e de conversão entre os descrentes e relaxados. A Missão daquele ano terminara na quinta feira e o povo mostrava que o trabalho dos padres fora profícuo e importante.
O padre voltou-se para a mesa sobre a qual estão os paramentos. Metodicamente, foi colocando as vestes, umas sobre as outras: a alva, amarrada com uma corda, que lembra o cilício; a pequena toalha enfiada entre o colarinho duro e o pescoço: a casula com bordados de fios dourados e as estolas: a principal, sobre os ombros, e outra enfiada no punho direito.
O sacristão ajudou-o, ajeitando aqui e ali a posição das roupas. O coroinha Joselito estava de lado, com o volume do Novo Testamento nas mãos. Esperando as ordens.
= Vamos, disse o padre.
Os três entram no altar pela porta lateral: Joselito na frente, Padre Ranzine em seguida e Noveloni atrás.
A multidão se levantou. Um ruído indefinido de pés se arrastando misturado com tosses e “psius!” exigindo silêncio.
A missa teve início e foi normal. A pregação foi feita com esmero, pois o pároco havia preparado previamente.
À hora da comunhão, uma longa fila se estendeu pelo centro da nave. Era um momento de muita movimentação na igreja: a grande maioria se levantava para ir receber a comunhão, enquanto outras poucas pessoas permaneciam sentadas, mas sempre se virando para dar passagem aos que saiam dos bancos.
Apenas o padre ministrava a comunhão. Era uma cerimônia demorada. Vendo a grande quantidade de fiéis, Noveloni havia colocado à mesa para consagração três cibórios com todas as hóstias disponíveis. Ficou preocupado, pois o estoque estava reduzido, devido à grande afluência dos fieis comungantes nas missas anteriores.
As hóstias do primeiro e segundo cibório foram-se rapidamente. O padre pediu o terceiro cibório, dentro do qual viu apenas uma dezena, ou pouco mais, de hóstias.
O Padre olhou para a fila. Ainda havia muita gente para receber a comunhão.
As hóstias acabaram-se. O Padre cochichou para o coroinha, que segurava a patena ante cada fiel.
= Pede mais hóstias para o sacristão.
Joselito vai até Noveloni:
= O Padre quer mais hóstias.
Noveloni, meio sem jeito, desce até onde esta o padre e cochicha-lhe ao ouvido:
=As hóstias acabaram. Não tem mais.
= Nem na sacristia? = perguntou o Padre.
= Nem na sacristia. = Responde o Noveloni
O Padre olha para a longa fila de pessoas que aguardam a comunhão. Um rubor sobe pela face e o rosto claro se torna vermelho.
Voltando-se para o povo, exclama:
= Bendita fé! Santa devoção! Não tem nada que chegue pra vocês. Vocês são gulosos, e a gula é um pecado, ouviram? O Corpo de Deus acabou por hoje. Voltem amanhã.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte – 19/11/2010
Conto # 635 da SÉRIE MILISTÓRIAS