CAÇADA IMPLACÁVEL
Na década de 80, mais especificamente nos anos de 86 e 87, havia na rua em que eu morava, uma garota que gostava de mim.
Embora ela fosse bem bonitinha não era minha intenção de namorar sério com ela. Pois eu a achava muito baixinha para mim. Havia ainda o fator idade, já que ela era 10 (dez) anos mais nova que eu.
Reconheço que são alegações inconsistentes, de pouca importância, mas não se constituem, a meu ver, motivos para censura alheia uma vez que cada um faz as escolhas que mais lhe parecerem convenientes.
Como de praxe, no final das tardes de domingo, a garotinha dava uma passadinha em minha casa, para ficar comigo e quem sabe até combinarmos para irmos juntos à missa das 19 horas.
Em uma dessas tardes, ao vê-la descendo o quintal, tratei de me esconder para que ela não me encontrasse. Mas um dos meus irmãos, o Kika (sempre ele), garantiu para ela que eu estava em casa.
Com o intuito único de me desmascarar, atracou-se a um dos braços da pequenina e puxou-a para dentro de casa, não respeitando a vontade dela de não querer acompanhá-lo. Ela a todo instante dizia que não precisava disso e que em outra hora ela falava comigo.
Percebendo a forte disposição dele em lograr êxito na minha captura, saí de onde estava e entrei dentro de um guarda-roupa. Espremido e muito desconfortável ali dentro, procurei uma posição mais suportável e fiquei esperando que ele desistisse do seu intento.
O amigo da onça não desistia, olhava daqui, olhava dali e nada de me encontrar. Ele sabia que não tinha como eu ter ido longe, eu haveria de estar por perto. Até debaixo das camas e atrás das portas ele me procurou.
Finalmente resolveu olhar no guarda-roupa em que eu estava. Cheio de gracejos começou olhando pelas gavetas, uma a uma. Eu bem ali do lado, tentando conter o riso, apesar de tenso. Enfim chegou o momento de olhar no compartimento em que eu de fato estava. Agarrei-me com energia a uma ripa existente do lado de dentro da porta, enquanto ele tentava puxar pelo lado de fora. Com muito custo ele conseguia puxar até quase a porta abrir, mas eu oferecia resistência em sentido contrário. Ele achava que a porta estava emperrada e tentava de todas as formas abri-la.
Inconformado, lançou mão de uma chave de fenda para ter mais pega na puxada. E de fato conseguiu. Teve um momento que ele puxou tão determinado que eu quase entreguei os pontos e desisti. A porta chegou a abrir uma greta, mas eu consegui puxá-la de volta. Ele então, imaginando que a porta estava mesmo emperrada, retirou-se tentando convencer a visitante de que eu estava mesmo escondido.
Como ficou muito evidente que a porta chegou a abrir e depois voltou ao seu lugar, eu tratei de sair rapidamente do guarda-roupa, pulei a janela e subi bem alto em um abacateiro, o qual ele já havia vistoriado minuciosamente.
A cena da porta se abrindo e fechando teimosamente me lembrou aqueles filmes do gênero pastelão, do tipo Os Três Patetas. Não entendi como ele não percebeu de imediato, afinal, tudo o que ele queria era me desmascarar.
No momento em que ele percebeu a mancada que deu, voltou decidido ao guarda-roupa, trazendo consigo a desiludida menina, mas, para aumentar a sua angústia, eu já não estava mais lá.
Tão desiludido quanto a menina, ele entregou os pontos ao perceber o quanto foi ingênuo, deixando-me escapar depois de tanto esforço.