Espectro multi cores (Projeto Desengavetar)

Parecia uma centelha perdida brilhando perto da porta do quarto. Não senti medo; era uma luz azul turquesa, tranquila, bonita. Fiquei hipnotizada pelo brilho de pedra preciosa, pela sedução da negação do escuro. A centelha principiou a expandir conforme eu via nela belezas incomuns que faiscavam e, como que engolida por si mesma, ressurgida de dentro de si mesma. Ficou umas três vezes maior, ou quatro até, iluminando melhor a escuridão do quarto.

Cláudio ainda dormia. A luz azulzinha acariciava o rosto dele e não pude deixar de sorrir e lembrar como suas mãos estavam quentes na hora de colocar a aliança no meu dedo. Era uma quentura terna, quentura de criança.

A bola brilhante se engoliu outra vez tremeluzindo a escuridão do quarto e, sem sumir, reapareceu com o dobro do tamanho. Brilhou como uma bola de fogo laranja e não soltava mais faíscas, apenas derramava sua luz tranqüila nas paredes, no teto, na porta, nos móveis, na cama, no meu rosto e nos lábios tranquilos do Cláudio. Era assim que ele dormia quando revesávamos em turnos para olhar a nossa florzinha, a nossa Yasmim, quando era bebê, cheia de dobrinhas. Era um show quando a Yasmin sorria mostrando a boquinha sem dentes!

A luz parecia se remexer alterando a forma, procurando uma identidade. Cláudio acordou, sentou na cama, esfregou os olhos, olhou para mim e sorriu. Falei:

— É lindo, né!

— Lindo! O que será?

— Não sei, mas muda de cor e tamanho e me faz lembrar de coisas boas.

Como que num rodopio, a luz mudou para um alaranjado mais claro e se mexia maior que antes. Se esticava, se curvava, dava piruetas, fazia que ia e ficava ao mesmo tempo.

— No que você pensou, Cláudio?

— Na Yasmim, quando ela aprendeu a andar de bicicleta, nos gritinhos de alegria, no bonezinho cor de rosa virado pra trás...

O espectro se enrolou em sua própria luz e explodiu vermelho que nem no terceiro minuto da aurora. Estendeu um braço para mim, ou parecia ser um. Toquei sua aurora vibrante e uma eletricidade me percorreu. Ai, que arrepio gostoso! Peguei a mão do Cláudio e saltaram algumas faíscas e seus pelos se arrepiaram.

— Que gostoso, Andréa! Parece eletricidade!

A aurora se mexeu e parecia tremeluzir no vento.

— Quando te vi a primeira vez, você soltando os cabelos... tudo em câmera lenta...

— E você correu atrás de mim, me deu uma bala de morango e disse: “Desculpa, mas a floricultura tava fechada!”

— E foi bem na frente de uma que tava aberta! Porque você não me disse?

— Bobinho! Foi tão bonito o que você fez!

— Foi amor à primeira vista, né!

— Foi...

A aurora chegava perto do dia. Tipo magenta, quente e suave. Parecia o sorriso da Yasmim, as mãos do Claudio...

Alguém bateu na porta e ouvimos a voz da minha mãe:

— Vamos acordar, crianças? O café da manhã ta pronto! Seu pai vai levar vocês no aeroporto.

A maçaneta girou e minha mãe colocou a cabeça para dentro. Ela arregalou os olhos, segurando as bochechas e exclamou:

— Vocês estão brilhando!

Uma sensação de mariposas voando na barriga, coceguinha nas bochechas, dormenciazinha quase líquida nas pernas e nos braços!

— Estão sim! Vocês estão brilhando!

Sensações que a gente quer ter mais vezes!

— Ta saindo estrelinhas de vocês dois! Meu Deus! Meu Deus!

Parecia mesmo um sonho...

Alguém bateu na porta e ouvimos a voz da minha mãe:

— Vamos acordar, crianças? O café da manhã ta pronto! Seu pai vai levar vocês no aeroporto.

— Nossa Cláudio! Tive um sonho tão lindo!

— Eu também! Tinha uma luz que mudava de cor...

Carlos H F Gomes
Enviado por Carlos H F Gomes em 19/12/2014
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