580-PESCANDO TATU -
Inácio era um desses ociosos que não se dedicava a nada. Aliás, sua única dedicação era, sim, acompanhar os pescadores da pequena Tabatoa em suas incursões pelas margens da represa de Furnas, nas beiradas onde deságua o Rio Turvo. Ocioso e relaxado, ele não tinha a tralha de pescador organizada, ia só com uma varinha de pescar peixe miúdo, anzóis olho-de-mosquito e linha fraca. Ao chegar no “acampamento”, em vez de ajudar a turma nos afazeres iniciais de limpar o terreno, acender o fogo e outras tarefas de responsabilidade de todos, pegava sua varinha e procurava uma sombra fresca à beira d’água, jogava a linha, deitava-se com preguiça e ferrava no sono.
Os companheiros já estavam amolados com esta atitude de Inácio.
—Gente, vamo aprontá uma com o Inácio. Alguma coisa que lhe dê um susto.
—É mesmo. O cara tá muito preguiçoso. Vamo fazê uma “surprezinha” pra ele.
Na próxima vez em que foram para beira do Turvo, lá foi Inácio, com a mesma pachorra. Nem bem chegou, foi se ajeitar debaixo de uma gameleira, jogou o anzol e fincou a vara no chão. Não demorou muito, podia-se ouvir seu ronco no acampamento.
Enquanto alguns se arranchavam, outros foram arrancar uns pés de mandioca num mandiocal um pouco acima. Voltaram não só com as raízes mas também com um tatu, que haviam pegado no mandiocal.
—Oia, tá bom de a gente aprontar uma com o Inácio. Vamo prender o tatu no anzol dele e ver o susto eu ele vai ter quando acordá.
Dito e feito. Zé Malaquias, bom de nado e de mergulho, foi encarregado de mergulhar e colocar o tatu, ainda vivo, no anzol de Inácio. Em seguida, correram todos para ver a reação de Inácio, que nem sentira a colocação do tatu. Foi preciso ser acordado.
—Então, Inácio, como é que tá o pesqueiro aí?
Acorda assustado e logo se recompõe:
—Tá tuim pra daná. Peixe nenhum morde a isca.
—Mais, óia aí, tem argum peixe fisgado. A linha tá esticada. Puxa aí, que tem arguma coisa.
Inácio, um tanto lerdo por ter sido acordado de supetão, pega a vara e puxa a linha. Sente que tem algo fisgado. Vai puxando, puxando, até que surge o tatu, ainda vivo, esperneando, preso no anzol. A gritaria é geral, e Inácio sai da sua letargia. Virando-se para os companheiros, diz:
—Gente! Ainda bem qui oceis tão aqui pra testemunhar. Se eu contasse, ninguém ia acreditar. Pois este é o segundo tatu que pesco hoje aqui.
ANTÔNIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte 05 de junho de 2006 –
Conto 50 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS