577-O MICO QUI FALÔ - Outro Causo de Pedrim Mintira

Pois tava nóis sentado na venda do Totó Miranda, cumu sempre bicando cachacinha, pitando cigarrinho de paia e cunversando sobre as coias desse mundo sem fim.

O Totó Miranda é dos nosso. Home bão tá ali. Imagine que ele inricou no cumercio, era uma vendinha à-toa e dispóis, foi aumentando o movimento, aumentando, e hoje a venda dele é a maior da cidade, diz que é até atacadista. Mais num deixô de ser home simpres. Num é toda a semana, mais di vez inquando vai cum nois até na Lagoa Preta, qui ainda é um lugar bão de pesca. Dá cada mandi de dois, treis quilo.

A venda cresceu, mais ele reservou pros amigo um condinho nos fundos, onde nóis póde reuni a quarquer ora, mode conta nossos causo. Tem uma mesinha de madera, meia cambeta, umas cadeira de assento de tabôa trançada e um barcão com umas garrafa de cachaça, catuaba, fernete e vermute, pra quem gosta de um rabo de galo.

Intão tava nóis cunversando, cunforme disse. Aí apareceu o Pedrim Mintira. Veio entrando todo lampero, cumo quem tem novidade na ponta da língua.

— ’Tardes, gente!

— Ba tarde, seu Pedrim.

Era uma tarde quenti por dimais de quinta-fêra, a gente tava cumbinando uma pescaria, mais ele cortou nosso cunversê.

— Gente, ceis lembra daquela veiz que a gente tava caçando tatu la pras banda da Serra do Chapadão?

— Ora, lembramo sim. Falou o Carlim Pitanga. O sinhor até falou que tava na tucaia, mirando num buraco de atu, quando um miquinho russo cumeçou a fazer o maior barui incima da árve.

— Pois é. Naquele dia, o tatu tava sai-num-sai da toca, e o mico cumeçou o banzé bem incima da minha cabeça. Fio duma égua, eu pensei, esse diabinho vai ispantatá o tatu. Intão eu fiz um sinal assim de cala a boca, e um psiu, que era pra ele fica quieto. E num é que ele ficou qutinho, e o tatu saiu da toca e eu peguei o bicho.

— A gente até cumeu bastante do cuzido de tatu cum mandioca que sua sinhora, dona Leontina, preparou pra nóis, disse o Chico Maromba..

— Pois é. Agora, na semana passada eu vortei lá de novo.

— Sozinho, cumpadi? — perguntei.

— É, cumpadi Tunico. Foi uma coisa assim mei que direpente. Meu cunhado Joca chegou de Sum Paulo e não deu tempo de convida ceis pra i junto.

— Intão, caçou arguma coisa?

— Gente, nem ti conto.

Num é que eu tava de novo numa tocaia, esperando arguma caça no lugar onde eles vem bebê. Aí, arguma coisa agitou no meio das foia, e eu firmei na mira. Quando vê, aparece aquele miquinho, o mesmo que eu manei cala a boca. Fiquei assustado, quando omiquinho, cum o zoinho muito arregalado, falou pra mim:

— Que isso, seu Pedrim. O Sinhor não si lembra de mim, no ano passado?

O Nênem da Dona Filomena deu um sarto na cadeira:

— Truco, diacho! O macaquin falou?

E o Pedrim Mintira, cum a carma que lhi é piculiar, respondeu:

— Oiá, fala até que num foi nada dimais. Eu fico pensando que danado bichinho inteligente, que até se lembrou do meu nome!

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 26 de novembro de 2009

Conto # 577 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 15/12/2014
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