TIA GERTRUDES
Conhecí tia Gertrudes quando ela já era bem idosa.
Na verdade era tia de minha mãe, minha em segundo grau. Mamãe sempre me levava em suas visitas a esta velha senhora.
Tia Gertrudes tinha um cacoete esquisito. Estalava a língua a todo instante, como se estivesse a provar um hipotético alimento.
Tereza, que era sua empregada, era solicitada a ajudar:
"Tereza, sirva as visitas!"
"Tereza, avive o fogo!"
"Tereza isso, Tereza aquilo..."
Fui criança hiperativa, adulta igual e hoje, na dita "terceira idade", ainda sou, no bom sentido...
Eu percorria o quintal de sua casa, me encantando com a horta repleta de flores, verduras, chás. E o galinheiro, então, quanta vida!
Meus olhos viam tudo atentamente e eu, não parava quieta na casa desta tia.
Mas onde minha atenção se concentrava, era nos grandes vidros de licor que ostensivamente guardava sobre uma cristaleira. Eram bebidas coloridas, proibidas às crianças, mas que me fascinavam. Os vidros tinham formas de animais. Havia um, em especial, em forma de papagaio, que continha um líquido verde e do qual eu não tirava os olhos.
Ela servia a minha mãe, licor de anis, num azul bem forte.
Aquela cor está em minha memória, tão nítida, e aquele aroma me fere o alfato até hoje, como se o licor estivesse sendo servido por tia Gertrudes neste exato momento.