463-EXAME DE MOTORISTA DO PADRE KRAMER-Bom Humor
EXAME DE MOTORISTA DO PADRE KRAMER
QUANDO a guerra terminou a Segunda Guerra Mundial, apareceram os jipes, sobras das fábricas americanas, que foram bem aceitos no interior, onde as estradas rurais eram pouco mais do que caminhos cavados pelos carros de bois. Padre Kramer, que gostava de percorrer todo o interior do município, no exercício de seu ministério, foi um dos primeiros proprietários de jipe em São Roque. Aprendeu a dirigir apenas o suficiente para se locomover, sem maiores preocupações. Não se preocupou em “tirar a carta” de motorista, requisito desde sempre necessário aos que dirigem veículos motorizados.
Naqueles remotos tempos, uma banca examinadora do Departamento de Trânsito visitava as cidades do interior, em intervalos de cinco ou seis meses. Na ocasião, todos os que não tinham a carta, se submetiam ao teste, que consistia apenas em simples exercícios de direção numa subida íngreme, seguidos pela baliza. O candidato era acompanhado por um fiscal, mais das vezes benevolente. Qualquer um que tivesse a menor experiência em dirigir era aprovado. O exame era só pró-forma e as reprovações, raríssimas.
Padre Kramer, orgulhoso de dirigir por todos os cantos do município, submeteu-se ao exame de motorista. Como havia a certeza de ser aprovado, principalmente pela importância que se atribuía, como pároco local, não teve o cuidado de tomar sequer algumas lições com o Pompílio, que, por alguns mil-réis, treinava os candidatos nos macetes do exame. Foi, como se diz, com a cara e a coragem.
O percurso era um simples: após uma volta pela praça, havia que subir pela Rua Doutor Ganimedes Guedes, rua plana, com quase dois quilômetros e que terminava, em íngreme rampa, no Alto do Cruzeiro.
NO INÍCIO do teste o Padre Kramer foi instruído pelo fiscal:
— Agora, estacione rente ao meio-fio e depois, saia bem devagarzinho.
Padre Kramer não teve dúvidas: levou o jipe até o meio fio, onde estacionou a contento. Depois, abriu a porta de lona do jipe e saiu do veiculo, bem devagarzinho, com muito cuidado com a batina.
— Ei, reverendo, volte aqui. Ainda tem mais. Aonde é que o senhor ia?
— Orrra, o senhorrr disse para mim sairrr bem devagarrrinha.
O teste prosseguiu. No percurso da rua, na parte plana, o fiscal advertiu ao Padre:
— O senhor está em primeira. Engate outra marcha.
— Ia! Ia! — respondeu o padre, mas sem engatar a segunda marcha. O veículo foi, o motor gemendo na primeira. No meio do percurso, novamente o fiscal avisa:
— Pode usar a segunda, ainda estamos no plano.
— Ia! Ia! — monotonamente o padre responde, as mãos segurando firme na direção, os olhos fixos na rua que se estendia pelo trecho ainda plano.
Quando chegaram à ladeira, o jipe ainda em primeira, não teve dificuldade em subir. Mas ao chegar no Alto do Cruzeiro, o fiscal foi curto e grosso:
— O senhor está reprovado.
— Orra, orra, que istórria é essa? Não fiz tudo cerrrto? — o padre já se avermelhava de raiva.
— O senhor não sabe mudar as marchas. Só usa a primeira.
Padre Kramer ficou rubro como um camarão.
— Ah! Então o senhorrrr desce aqui mesmo do meu jipa. Vai terrr que voltarrrr a pé. Ou preferre me aprovarrr?
O fiscal desceu do jipe e iniciou a pé a longa caminhada de volta, sob o sol inclemente das três horas, em direção à Praça da Matriz. No meio do caminho é alcançado pelo padre que, do jipe, grita:
— Querrrr uma carrona? Se me aprovarrr....
O fiscal acena negativamente. Padre Kramer acelera o jipe, que levanta a poeira da rua, envolvendo o fiscal, fazendo-o sumir na paisagem.
Antônio Gobbo
Belo Horizonte, 15 de gosto de 2007
Conto # 463 da Série Milistórias