A voduzinha

Fui dama do casamento do Paulo Roberto com a Jacira. Coisa que eu detestava. Mas ninguém nunca me perguntava se eu queria. Era sempre a mesma coisa: - Você será a daminha do meu casamento - dizia a moça toda eufórica e alisando a minha cabeça. também nunca gostei que mexessem na minha cabeça. Achava essa atitude muito estranha, a pessoa ficar ali... emaranhando os meus fios em seus próprios dedos, eu hein!. Nunca gostei e também nunca ninguém teve a capacidade de me perguntar se podia fazer aquilo. A Jacira apenas me comunicou que o Pedro seria o meu par. E pensei: - Mas logo o Pedro! Aquele menino chato e sem graça! E chegou o dia tão inesperado por mim. No começo da cerimônia o órgão entoava aquela canção tão batida que eu já conhecia devido aos tantos casamentos que havia participado á quase forca. Olhei de soslaio e tinha umas mulheres com os chapéus pregados com uma redinha e uns grampos estranhos espetados nos cabelos. E reparei que elas passavam os seus respectivos lenços acolhendo as lágrimas, e mais uma vez os meus pensamentos me diziam: - Olha só, isso é um tormento, sinceramente? Espero nunca mais passar por isso. E lá iam eu e o Pedrinho, como era conhecido, nós dois, lado a lado, naquele passinho horroroso na frente dos noivos. O que me deu mais autonomia foi o sorriso do Padre Gerard, esse sim, desconfiava do meu sofrimento. Ele me olhou da cabeça ornada com uma tiara até os meus pezinhos dentro de um sapato lustroso branco (coisa feia). Olhou-me mais uma vez e sorriu lento abrindo bem vagaroso os lábios até eu reconhecer a tonalidade de de seus dentes (ou dentadura) aperolados. Olhou-me e sorriu de maneira a dizer: - Eu sei o quanto isso é chato. Devolvi o sorriso bem ligeiro, apertei a mão do Pedro e falei: - Agora é você quem vai levar essa cestinha com essa aliança. Eu cansei. E lá se foi o coitado do Pedrinho sozinho até o altar. Quando se deram conta eu já estava lá do outro lado da igreja observando o jardim florido do Padre Gerard. Os cabelos soltos e ainda duros (a mulherada me encheu de um tal laquê). A tiara largada na escada, os sapatos brilhantes deixados para trás e sem a anágua que me fazia parecer um balão de São João. O Padre quando me viu apenas falou: - Você está linda! Está cuidando do meu jardim? Ainda bem que eu não fui a voduzinha daquele casal chatinho. Só o coitado do Pedro.

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 23/10/2014
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