MARIA HELENA


Maria Helena não era sómente minha contemporânea na escola primária. Era também vizinha e amiga. Morávamos em pequena cidade do interior de Santa Catarina.

Íamos juntas à escola e nos tratávamos por Tita (meu apelido em família) e Negrinha (sim, ela era da raça negra); mas naquele tempo, não era incorreto chamar alguém assim. Como crianças, víamos isso de forma  natural, que não nos passava pela cabeça que pudesse ser diferente, muito menos um crime. Ela era uma criança muito viva, inteligente, esperta e o fato de nos tratarmos assim, era absolutamente espontâneo e carinhoso.

Ela foi criada por nossos tios e vizinhos. Quando estávamos no fim da adolescência, costumávamos, ambas, ajudar no serviço doméstico em nossos respectivos lares. Maria Helena varria e lavava as calçadas de sua morada e eu fazia o mesmo. Às vezes coincidia estarmos em nossa faina diária no mesmo horário.

Maria Helena era muito sapeca e eu um tanto tímida. Um dia, enquanto trabalhávamos em frente a nossas casas, ela viu que na rua passava um moço bonito. Começou, então, a fazer:
Psssiiiuuuu!!! Psssiiiuuuu!!! e a se esconder. Eu não tive tempo para fugir e lá fiquei com cara de idiota, segurando a vassoura. O moço parou e ficou a me olhar, pensando que eu o havia chamado. Dali para a frente, o rapaz ficou me julgando uma moça muito espevitada, coisa que eu realmente não era. Maria Helena ria até chorar.

Nossa amizade permaneceu intacta apesar de eu ter me mudado para Curitiba. Eu a visitava sempre que podia e ela me recebia com brilho no olhar. O carinho que tínhamos, uma pela outra, sempre foi o mesmo e, depois de adultas, eu nem pensaria em chamá-la pelo
eufemismo "afro descendente", pois sei que ela acharia, no mínimo, esquisito.

Para nós, é como se o tempo não tivesse passado -- sempre fomos Tita e Negrinha.

Foi com muita tristeza que recebi a notícia de que Maria Helena faleceu no início de dezembro de 2015. Ultimamente, vivia com falta de ar e cansaço devido a uma séria insuficiência cardíaca. E foi o coração que a vitimou aos 72 anos.
Aloysia
Enviado por Aloysia em 22/10/2014
Reeditado em 07/10/2019
Código do texto: T5008177
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