O AIATOLÁ

Fazia um enorme calor quando o Major Penteado se dirigiu ao restaurante no Cairo onde pretendia pedir um prato árabe e tomar uma cerveja. Havia chegado do Brasil há poucos dias e estava aproveitando a folga que lhe fora concedida, para visitar a capital. Chegara ao Cairo de trem, juntamente com muitos outros militares das Forças da ONU estacionadas em Gaza, naquela missão de paz. O contingente era formado por batalhões do Canadá, Índia, Dinamarca, antiga Iugoslávia e Brasil.

A última cerveja que tomou foi no Senegal, quando o Hércules da FAB, conduzindo a ele e seus subordinados, fez um pouso para reabastecimento.

Falava poucas palavras em árabe e teve alguma dificuldade para pedir algo do cardápio que o garçom lhe apresentara. Misturou novamente um pouco de árabe e inglês e arriscou pedir uma cerveja.
Assim que o fez, o garçom levantou a mão e com o indicador apontou um retrato na parede. Penteado sabia que o Alcorão proíbe consumo de álcool e carne de porco, mas achou que para turistas, não árabes, inconveniente não haveria.

Sentiu-se muito desconfortável. Aliás, assim que entrou no restaurante todos os olhares haviam se voltado para ele.

O retrato da parede mostrava um sujeito de aspecto muito severo e olhar penetrante, daqueles que parecem ler nossa alma. Além disso usava um traje preto e um turbante da mesma cor.
Mentalmente, Penteado chamou o personagem de "Aiatolá" (certamente não era, pois aiatolás são persas e vivem no Irã). Devia ser um clérigo importante do Egito.

Não teve remédio a não ser pedir um refrigerante e comer rapidamente para se livrar daqueles olhares insistentes.

Enquanto comia, lembrou-se de que o faxineiro nativo contratado pelo batalhão para cuidar da limpeza, cada vez que saia da despensa, cheirava a presunto e salame. Entendeu perfeitamente o que acontecia. Mustafa, arranjava sempre um jeito de entrar na despensa, onde, certamente, se fartava de presunto e salame, tudo feito com carne de porco.


Deixou o restaurante assobiando. Sentiu-se feliz e vingado.
Aloysia
Enviado por Aloysia em 18/10/2014
Reeditado em 08/10/2019
Código do texto: T5003575
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