Carreiro Professor *
Antônio Manoel Cândido, o seu Santim, faleceu aos 84 anos, porém deixou um legado impressionante, para os seus familiares, amigos e amantes dos carros de boi. Dos 11 filhos, oito deles são carreiros, muitos de profissão. Na propriedade da família Santim, Fazenda Gordura, próximo à Lagamar/MG, ainda utilizam-se dos trabalhos dos bois para arar a terra; no engenho de cana, para puxar madeira e mantimentos, haja vista algumas partes do terreno possuírem declínios acentuados e não ser possível a passagem de tratores. Atualmente os seus filhos continuam fazendo história e mostrando aos demais como é a arte do carrear. Em todas as festividades da região alguns deles marcam presença e se destacam por terem boiadas bem ensinadas e fortes. Essas características são muito bem observadas nas subidas e descidas de serras, ou em outros locais que os bois e carreiros são postos à prova. Todos os anos fazem rapadura do modo tradicional; o engenho de pau é movido pela força dos bois e utilizam a cana roxa, que é uma espécie de cana bem antiga. Seguem os mesmos padrões dos seus antepassados, mantendo o hábito de acordar de madrugada, moer a cana e fazer as rapaduras, tudo antes do sol esquentar, pois se fizerem com o sol quente, as rapaduras não ficam com o sabor agradável. Fazer rapadura não é uma tarefa fácil; elas têm um ponto químico ideal e também são uma arte que a família Santim domina com maestria.
Quando o Seu Santim tinha 78 anos, já meio adoentado, deu uma entrevista a Maurício Araújo. Nessa entrevista, Seu Santim conta que saiu de Lagamar tocando sua boiada até a festa de carros de boi para reencontrar os velhos amigos. Contou que carreava desde os sete anos de idade, mas que não era o tipo que gostava de maltratar os animais; tratava-os com respeito e carinho, pois foi por meio deles que conseguiu tudo na vida. Disse que, certa vez, no pé da Boa Vista, um sujeito chegou e falou pra ele: “Com essa boiada, o senhor não sobe essa serra, mas é de jeito nenhum!” Porém o carreiro experiente mandou a sua boiada, bem adestrada, subir a serra, e a pessoa acompanhou todo o percurso ao lado dele, até chegarem ao cume da serra. Ali ele foi aplaudido por todos. Nessa hora o sujeito se admirou: “Nunca vi nada iguale, uma junta de boi sozinha e quatro bezerro, puxar um carro desse...” Maurício Araújo indagou de seu Santim se ele se recordava de outro fato marcante seu Santim explicou, de imediato, que as dezoito vezes que participou da Festa da Lapa, passando pela estrada do indaiazinho, de carro de boi, junto com seus familiares e amigos era um fato “demais marcante”. Havia locais em que retiravam as tralhas do carro, juntavam em torno de oito a dez amigos para carregarem a mesa, depois o rodeiro, e posteriormente, todas as demais tralhas para seguirem a viagem com o carro. Outro momento marcante, foram as mais de quinze vezes que esteve na Festa de São Brás de Minas, distrito de Lagamar. Porém, o sogro dele adoeceu, e ele ficou desgostoso. Narrou ainda, que em uma das Festas da Lapa “Chuvia muito!, e o barro estava dando na canela do povo, quando eles caminhavam. Foi uma festa esquisita, o povo tomou muita chuva, e muitos deles adoeceram, inclusive alguns familiares meus tiveram de ser levados para Patos de Minas e Coromandel, para fazer tratamento médico.” A partir dessa festa, seu Santim tomou medo e não participou mais, porque filhos dele eram pequenos e não podiam correr outro risco daqueles.
Ainda na entrevista a Maurício Araújo, seu Santim falou sobre os melhores bois que amansou ou possuiu. Lembrou-se dos oito bois pretos aparelhados, domados para o Zé da Nega, que deixou essa boiada com ele por dez anos, uma boiada muito boa. Seu Santim, ao longo de sua vida, juntou muita madeira boa. Segundo afirmou, possuía dois barracões cheios delas, e elas poderiam ser usadas para muitos fins e para a construção de carros novos. Em um dado momento da entrevista, seu Santim ficou eufórico e ralhou com outros carreiros inexperientes, para eles colocarem cordas na decida da serra, para evitar maltratar os bois. “Da onde já se viu maltratar os bichinhos assim? Se vai descer uma ladeira com um caminhão, o freio tem que tá em perfeitas condição, e com o carro de boi é a mesma coisa, uai, tem de colocar os bois atrás, pra ajudar os outros! A corda, é o frei!” Continuou a falar, agora mais diretamente ao seu entrevistador Maurício Araújo, que se existia uma coisa que ele tinha amor e valorizava, eram os bois carreiros, porque tudo que ele levava para sua casa, era puxado por eles. Concluiu a entrevista dizendo o quanto depreciava o uso do ferrão nos coitados dos bois; que ele carreava tentando facilitar a vida da boiada, não o contrário. Homem de muita força moral. O mundo ficou mais pobre sem ele; ficou mais pobre sem outros bons carreiros, dentre os, o Antônio Manoel Cândido, o carreiro professor. Esses carreiros de raízes tradicionais, que explicam o que é o sertão do Sudeste, na prática, agora carreiam em outro plano. Contam suas histórias aos anjos.
* Trecho do livro: FESTAS DE CARROS DE BOI, do escritor Rogério Corrêa
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Boa leitura,
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