439-DE PAI PARA FILHO-Medico tradição na familia
A pergunta “o que você vai ser quando crescer?” era um aborrecimento para todos os estudantes, desde o grupo escolar até o ginásio. Menos para Zé Luiz, filho do eminente médico local doutor Jônatas Nascimento.
— Vou ser médico, como papai. — Respondia, com determinação e exibindo o maior orgulho de ser filho do diretor do Hospital Municipal. — E vou ser igual a ele, diretor de hospital.
E não ficava só em palavras, não. Estudioso, era um dos primeiros da classe e ingressou sem dificuldade na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, a mais importante do país, na ocasião.
Decorridos os anos de estudo, fez residência no Hospital da Beneficência Portuguesa, onde adquiriu prática e consolidou o conhecimento acadêmico. Aos 27 anos, voltou à cidade natal, para estabelecer-se com consultório.
O orgulho de Zé Luiz (agora, Doutor José Luiz Nascimento) pelo pai era recíproco.
— Pois então, filho, voltou em boa hora. Já estou mesmo pensando em aposentar-me da clínica. Vou passar para você os meus clientes. E, quando me afastar também do Hospital, você será meu sucessor.
E assim foram trabalhando. Aos poucos, o pai a mandando os clientes para o filho.
— A próxima consulta, seu Leovigildo, será com meu filho. O senhor vai ser mito bem atendido, melhor do que comigo.
Os clientes confiavam no pai e passaram a confiar no filho. Em menos de um ano, o doutor Jônatas fechou o consultório, dedicando-se exclusivamente à direção do Hospital.
O consultório do doutor José Luiz logo se transformou numa pequena clínica, onde, ajudado pela enfermeira e secretária Lucimar, atendia os consulentes, fazia pequenos exames, curativos de emergência, e coisas assim. Só mandava para o hospital casos mais graves, como fraturas, cirurgias ou tratamentos que exigiam internamento.
— Estou notando eu você não manda muitos clientes para o hospital. — Certa tarde, numa conversa preguiçosa, comentou o doutor Jônatas.
— É que eu e Lucimar fazemos muitos atendimentos de emergência. Meu consultório às vezes até parece o pronto-socorro. — Respondeu o filho. — E por falar nisso, sabe quem ficou completamente curado?
— Como vou saber? Sua clientela é enorme.
— O comendador Epaminondas Barbosa. Aquele que tinha uma úlcera na perna. Coisa de muitos anos.
— Ah! Me lembro sim.
— Pois é. O senhor tratou dele mais de vinte anos. A perna não sarava. Mas, graças aos novos medicamentos, o homem está com a canela lisa. Nem parece que ali tinha uma úlcera de anos de tratamento.
Cofiando o grande bigode branco, o Dr. Jônatas explicou ao filho:
— Pois é, meu filho. Aquela úlcera foi que custeou seus estudos na faculdade.
Antônio Gobbo – Belo Horizonte,
16 de junho de 2007
Conto # 439 da Série Milistórias