O Carreiro Doutor *

Na década de 1950, o saudoso Vicente dos Santos, o Vicente Pena, possuía uma fazen-da na margem do Ribeirão Pirapitinga e outra fazenda na localidade do Rochedo, às margens do Rio Santa Catarina. Certo dia, Vicente Pena pegou a sua boiada carreira e o carro de boi, a fim de transportar milho em espigas, de uma fazenda para outra. O dia estava ensolarado, po-rém tinha chovido bastante nos dias anteriores, e o rio Santa Catarina estava com excesso de água. Na época existia uma ponte de madeira na Fazenda Jaburu, e Vicente Pena passava por essa ponte, ao lado da qual havia uma praia onde as águas eram rasas. A boiada estava com bastante sede e ele resolveu dar água a ela. Como Vicente Pena era acostumado a passar por ali, retirou o carro da fieira e os bois foram adentrando ao rio e bebendo água. Vicente começou a gritar o comando: ôaaaa! ôaaaa!, para conter o avanço dos bois mais para dentro do rio, mas, por mais que ele gritasse, a boiada não parava. De repente, ela afundou e se pôs a tentar nadar rio abaixo. Só que os bois estavam amarrados um ao outro, o que os impedia de nadarem de-senvoltos. Vicente Pena pegou o seu facão cabeça de cachorro, que estava bem afiado, e sal-tou no rio, com roupa e tudo. Começou a cortar as brochas, soltando um boi após outro, e ro-lando rio abaixo. O último boi a ser solto foi o boi do cabeçalho, ou boi de coice. O animal já es-tava nervoso, quando Vicente Pena conseguiu enfiar o facão e cortar a brocha, o boi deu uma investida e o facão atingiu-lhe o pescoço (do próprio boi) e cortou-lhe um vaso sanguíneo. Na-quela investida o boi prendeu a um de seus grandes chifres na tiradeira do pé de carro e arras-tou toda a arreata para o barranco do rio. O carreiro amarrou a arreata numa árvore e foi socorrer o boi com o grande sangramento. O boi saiu da água e Vicente Pena o laçou; pegou um pedaço de arame fino na esteira do carro, e com habilidade, usando aquele arame, deu alguns pontos no ferimento. Com essa maestria de veterinário somente de prática, deteve o sangramento e sal-vou seu boi de estimação. Na roça carreiro é até doutor.

* Trecho do livro: FESTAS DE CARROS DE BOI, do escritor Rogério Corrêa

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http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=82695479

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Boa leitura,