O palhaço Miguel
O PALHAÇO MIGUEL
Miguel Carqueija
O mestre de cerimônias, chegando à beira do palco, depois de se desviar de uma porção de objetos espalhados aleatoriamente no chão, dirigiu-se ao público predominantemente infantil:
— Respeitável público, vamos agora apresentar um número sensacional: o grande, o famoso adestrador de animais, o genial Miguel!!!
Entrou um cavalheiro alto e magro, pálido, de óculos e cabelos castanhos curtos. Fez uma reverência, agradeceu os aplausos e deu início à sua apresentação:
— Minha gente, garotada, vou agora fazer uma apresentação de animais amestrados, prestem muita atenção em tudo o que vai acontecer!
Disse isso e, movendo-se casualmente para a direita, tropeçou numa volumosa mochila ali esquecida e foi ao chão.
As crianças riram com gosto.
Miguel levantou-se com dificuldade e, endireitando a roupa, observou com bom humor:
— Não tem importância. Isso foi um acidente raro. É muito difícil me acontecer de tropeçar em alguma coisa...
Ele se moveu desta vez para a esquerda, e voltou a tropeçar na mesma mochila, tornando a cair no chão.
Mais risos infantis.
Miguel voltou a se levantar, sacudiu a poeira, deu um sorriso amarelo e prosseguiu:
— Bem, vamos dar início à nossa apresentação. Eu vou chamar agora a minha “assistente”, a Gabriela, que é uma “poodle’ inteligentíssima, a mais inteligente do mundo! Vocês vão se admirar! Gabriela, pode entrar!
Palmas.
— Eu disse pode entrar!
Nada (a não ser uns risinhos baixos).
— Gabriela, venha! Está na hora do seu show!
Silêncio. Nem mesmo um latido.
— Desculpem... ela está ficando meio surda.
Miguel sai por um instante do palco (tomando cuidado para não tropeçar em mais nada) e retorna trazendo nos braços uma “poodle” escura, bem crescida. Coloca-a no chão, cuidadosamente, sob os aplausos da criançada.
— Bem, esta é a Gabriela! Palmas pra ela!
Palmas e gritinhos infantis.
— Gabriela, cumprimente o público!
Gabriela boceja (risos).
— Bem, vamos começar! Gabriela, mostre a todos como você é inteligente! Dê um salto mortal! Um salto bem espetacular!
Gabriela senta no chão.
— Não, Gabriela, eu falei para dar um salto mortal! Daqueles bem sensacionais! Salte, Gabriela!
Gabriela deita (o público ri cada vez mais).
— Gabriela, você não me entendeu? Eu disse para dar um salto mortal para a platéia ver! Levanta e dá o seu salto mortal, Gabriela!
A cadelinha limita-se a olhar para o Miguel, muito espantada, com uma cara assim de “O que há com o meu dono? Será que ele pirou de vez?”
Com outro sorriso amarelo (dos muitos que ele já deu desde que entrou no palco) Miguel observa:
— Viu só, criançada? Viram como a Gabriela é inteligente? Uma pessoa inteligente não dá saltos mortais! É muito perigoso!
Os risos saíram, meio forçados. Miguel resolve passar para o número seguinte.
— Bem, gente, vamos agora à próxima atração! Vou mostrar uma coisa sensacional, que vocês jamais esquecerão! Vem aí o Procópio, um jumentinho que faz o que nenhum jumento faz: ele voa! Isso, voa como o Dumbo! É o único jumento voador do mundo! Uma coisa assombrosa! Palmas para o Procópio que ele merece! Pode entrar, Procópio!
Palmas e mais palmas e alguns assobios. As crianças estão visivelmente curiosas. O jumento, porém, não aparece.
Miguel chama e torna a chamar. E neca de jumento. Por fim o mestre de cerimônias, parecendo muito constrangido, aparece em cena e sussurra qualquer coisa no ouvido do amestrador. Parecendo contrariado, Miguel sussurra por sua vez no ouvido do outro. Os dois se demoram em repetidos e misteriosos cochichos nos respectivos ouvidos, deixando o público intrigado. Afinal o mestre de cerimônias se retira e Miguel, consternado, explica:
— Garotada, infelizmente o show está cancelado. Acabo de ser informado que o Procópio fugiu, saiu voando por aí.
— Aaahhh... — fez o público, decepcionado.
— Pois é. Me desculpem, mas agora eu tenho que ir embora. Preciso procurar o meu jumento voador, ele vale uma fortuna! Adeus!
Assim dizendo e fazendo uma rápida vênia, o Miguel sai correndo para fora do palco, gritando como um desesperado:
— Procópio! Procópio! Cadê você? Volta, Procópio!
A Gabriela se ergue e olha muito admirada na direção por onde seu dono se foi; mas o Miguel volta, com um sorriso encabulado, pega a cadela nos braços e observa:
— Ih ih ih... quase que eu esqueço a Gabriela... bem, é isso aí pessoal. Lá vou eu, procurar o Procópio! Até a próxima se Deus quiser!
E saíram os dois, agora sob fortes palmas (provavelmente endereçadas à Gabriela).
Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2014
Nota: esta pequena peça é adaptação de um sonho que eu tive hoje, de madrugada.
Será que errei de profissão?
O PALHAÇO MIGUEL
Miguel Carqueija
O mestre de cerimônias, chegando à beira do palco, depois de se desviar de uma porção de objetos espalhados aleatoriamente no chão, dirigiu-se ao público predominantemente infantil:
— Respeitável público, vamos agora apresentar um número sensacional: o grande, o famoso adestrador de animais, o genial Miguel!!!
Entrou um cavalheiro alto e magro, pálido, de óculos e cabelos castanhos curtos. Fez uma reverência, agradeceu os aplausos e deu início à sua apresentação:
— Minha gente, garotada, vou agora fazer uma apresentação de animais amestrados, prestem muita atenção em tudo o que vai acontecer!
Disse isso e, movendo-se casualmente para a direita, tropeçou numa volumosa mochila ali esquecida e foi ao chão.
As crianças riram com gosto.
Miguel levantou-se com dificuldade e, endireitando a roupa, observou com bom humor:
— Não tem importância. Isso foi um acidente raro. É muito difícil me acontecer de tropeçar em alguma coisa...
Ele se moveu desta vez para a esquerda, e voltou a tropeçar na mesma mochila, tornando a cair no chão.
Mais risos infantis.
Miguel voltou a se levantar, sacudiu a poeira, deu um sorriso amarelo e prosseguiu:
— Bem, vamos dar início à nossa apresentação. Eu vou chamar agora a minha “assistente”, a Gabriela, que é uma “poodle’ inteligentíssima, a mais inteligente do mundo! Vocês vão se admirar! Gabriela, pode entrar!
Palmas.
— Eu disse pode entrar!
Nada (a não ser uns risinhos baixos).
— Gabriela, venha! Está na hora do seu show!
Silêncio. Nem mesmo um latido.
— Desculpem... ela está ficando meio surda.
Miguel sai por um instante do palco (tomando cuidado para não tropeçar em mais nada) e retorna trazendo nos braços uma “poodle” escura, bem crescida. Coloca-a no chão, cuidadosamente, sob os aplausos da criançada.
— Bem, esta é a Gabriela! Palmas pra ela!
Palmas e gritinhos infantis.
— Gabriela, cumprimente o público!
Gabriela boceja (risos).
— Bem, vamos começar! Gabriela, mostre a todos como você é inteligente! Dê um salto mortal! Um salto bem espetacular!
Gabriela senta no chão.
— Não, Gabriela, eu falei para dar um salto mortal! Daqueles bem sensacionais! Salte, Gabriela!
Gabriela deita (o público ri cada vez mais).
— Gabriela, você não me entendeu? Eu disse para dar um salto mortal para a platéia ver! Levanta e dá o seu salto mortal, Gabriela!
A cadelinha limita-se a olhar para o Miguel, muito espantada, com uma cara assim de “O que há com o meu dono? Será que ele pirou de vez?”
Com outro sorriso amarelo (dos muitos que ele já deu desde que entrou no palco) Miguel observa:
— Viu só, criançada? Viram como a Gabriela é inteligente? Uma pessoa inteligente não dá saltos mortais! É muito perigoso!
Os risos saíram, meio forçados. Miguel resolve passar para o número seguinte.
— Bem, gente, vamos agora à próxima atração! Vou mostrar uma coisa sensacional, que vocês jamais esquecerão! Vem aí o Procópio, um jumentinho que faz o que nenhum jumento faz: ele voa! Isso, voa como o Dumbo! É o único jumento voador do mundo! Uma coisa assombrosa! Palmas para o Procópio que ele merece! Pode entrar, Procópio!
Palmas e mais palmas e alguns assobios. As crianças estão visivelmente curiosas. O jumento, porém, não aparece.
Miguel chama e torna a chamar. E neca de jumento. Por fim o mestre de cerimônias, parecendo muito constrangido, aparece em cena e sussurra qualquer coisa no ouvido do amestrador. Parecendo contrariado, Miguel sussurra por sua vez no ouvido do outro. Os dois se demoram em repetidos e misteriosos cochichos nos respectivos ouvidos, deixando o público intrigado. Afinal o mestre de cerimônias se retira e Miguel, consternado, explica:
— Garotada, infelizmente o show está cancelado. Acabo de ser informado que o Procópio fugiu, saiu voando por aí.
— Aaahhh... — fez o público, decepcionado.
— Pois é. Me desculpem, mas agora eu tenho que ir embora. Preciso procurar o meu jumento voador, ele vale uma fortuna! Adeus!
Assim dizendo e fazendo uma rápida vênia, o Miguel sai correndo para fora do palco, gritando como um desesperado:
— Procópio! Procópio! Cadê você? Volta, Procópio!
A Gabriela se ergue e olha muito admirada na direção por onde seu dono se foi; mas o Miguel volta, com um sorriso encabulado, pega a cadela nos braços e observa:
— Ih ih ih... quase que eu esqueço a Gabriela... bem, é isso aí pessoal. Lá vou eu, procurar o Procópio! Até a próxima se Deus quiser!
E saíram os dois, agora sob fortes palmas (provavelmente endereçadas à Gabriela).
Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2014
Nota: esta pequena peça é adaptação de um sonho que eu tive hoje, de madrugada.
Será que errei de profissão?