406-UMA CADEIRA NO CÉU-Venda lugar na Eternidade

A habilidade comercial, inata aos turcos, sírios e libaneses, era um dos dons que mais contribuía para o sucesso de Monsenhor Nagibe. Nos tempos do onça, quando aconteceu esta história, Padre Nagibe havia ascendido rapidamente ao posto de monsenhor graças, em grande parte, à habilidade em que tinha para conseguir donativos dos fiéis, para a venda de comendas católicas, lugares privilegiados na velha Matriz de São Roque ou direito de segurar o pálio nas procissões, usando a opa roxa de seda pura.

Só de cadeiras no céu havia vendido mais de cem, a maioria aos fazendeiros da região, homens tementes a Deus e que sentiam necessidade de um lugar garantido quando “passassem desta para a melhor”. O preço era fixo, dez contos de réis, um bom capital que nem todos os fiéis podiam dispor. Graças a essas negociações, Monsenhor Nagibe conseguira construir uma nova casa paroquial, com todo o conforto disponível na época.

O Comendador Lucas Pedroso era um dos fazendeiros abastados — mas muito “seguro” no dispor de seu rico dinheirinho — que haviam comprado uma cadeira no céu. O que não evitou uma queda do cavalo, de mau jeito sobre um cupim centenário. O médico foi rápido no atendimento e, sendo um alemão de rígida formação, foi logo dando o diagnóstico e previsão:

— Quebrou a espinha. Não tem jeito. O senhor está paralítico pro resto da vida. Nunca mais vai sair desta cama.

Naquele tempo de antanho, quando não se falava em fisioterapia nem cadeira de rodas, aleijado era entrevado pro resto da vida. Assim se encontrava o Comendador Pedroso, com cinqüenta e poucos anos. Ainda na gerência de seus bens, com muito tino administrativo. Pediu uma visita do Monsenhor, para tratar de negócios. Quando o representante da Igreja compareceu, Pedroso foi ao assunto com cuidado.

— Monsenhor, queria saber do senhor se quando a gente arrepende dum negócio, é pecado a gente voltar atrás, desmanchar o trato?

— Ora, comendador, não tem pecado nenhum, se as partes do negócio, os interessados entrarem num acordo. Se for tudo feito de boa fé, em comum acordo, sem prejuízos, não tem pecado nenhum.

— Tou perguntando porque quero desfazer um negócio que fiz com o senhor já faz um bom tempo.

Monsenhor recostou-se na cadeira.

— Mas... não estou me lembrando de nenhum negócio entre nos dois, comendador.

— Ara, Monsenhor, o senhor deve ter se esquecido. Foi quando o senhor me vendeu aquela cadeira no céu.Tá lembrado?

— Ah! Sim, me lembro.

— Pois é. Agora, como o senhor tá vendo, tou condenado a ficar eternamente nesta cama. Não vou poder me sentar nunca mais. Portanto, não vou precisar mais de cadeira, nem aqui nem no céu.

Monsenhor retesou-se. Pressentiu algo esquisito, fora dos trâmites normais. Nada falou, aguardando.

— Intão, como não vou mais precisar de cadeira, queria desfazer aquela compra que lhe fiz da cadeira no céu.

Monsenhor coça a cabeça, morde os lábios polpudos, pensativo.

Essa não! Desfazer o negócio! Devolver os 10 contos de réis, impossível! Mas como vou falar por Comendador que este negócio não se desfaz?

Pensando rápido, o Monsenhor apresenta uma alternativa:

— Comendador, que tal se a então a gente negociasse então uma .... CAMA no céu?

ANTONIO GOBBO

Conto # 406 da Série Milistórias =

Belo Horizonte, 20 de junho de 2006

Atenção – Ver conto 148, com mesmo título, mas completamente diferente

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 09/09/2014
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