= Ô Coitado! =
Causo Verídico
Na época do segundo turno das eleições que reelegeram o molusco moribundo eu estava em Portugal a trabalho e deixei de votar.
Passei lá uns bons tempos e na volta nem me lembrei de regularizar minha situação com a Justiça Eleitoral.
Nas eleições subsequentes votei normalmente. Ou melhor, compareci às urnas.
Daí inventaram essa tal identificação biométrica. Por digitais.
E minha cidade foi cobaia. Umas das primeiras a ser escolhida para a implantação do novo sistema de identificação nas eleições. Dizem ser um sistema imune a fraudes.
Após três cirurgias, 90 dias internado, uns 70 deles em UTIs e finalmente e milagrosamente de alta, pouco tempo depois, ainda bem baleado fisicamente lá vou eu fazer o tal recadastramento.
Centralizaram o serviço num antigo mercado. No começo todo bagunçado e desorganizado, como é de praxe no Brasil.
Formavam-se filas enormes e demoradas.
No dia em que fomos, saímos de casa bem cedo, eu e minha esposa.
Chegando lá, já tinha umas 30 pessoas na fila. Até começarem a atender umas 300.
Quando finalmente chegou minha vez a moça que me atendeu consultou o computador e me disse:
- Consta aqui uma pendência. O senhor não vai poder fazer o recadastramento. Primeiro o senhor precisa regularizar sua situação junto ao seu Cartório Eleitoral.
Só aí me lembrei da eleição em que não compareci.
A moça continuou:
- O senhor precisa ir até seu cartório, pedir pra eles emitirem um boleto, ir a um banco ou casa lotérica, pagar, voltar ao Cartório e dar baixa na pendência. Aí o senhor volta aqui para fazer o recadastramento...
- Mas não tem outro jeito. Já estou aqui. Não posso recadastrar-me e depois ir regularizar minha pendência?
- Infelizmente não. O sistema não libera.
Só imaginando a mão-de-obra que eu teria e no cansaço que isso me causaria devido minha saúde ainda debilitada, fiz a maior e melhor cara de piedade que consegui e disse:
- Ah moça, dá um jeito aí, vai. Estou aqui no maior sacrifício, convalescendo ainda...
Ela ainda tentou argumentar, mas vendo que eu não desistiria facilmente, chamou um supervisor e explicou pra ele a situação.
Ele disse a ela que imprimisse lá um documento cujo nome não lembro, mas que era algo parecido com um “atestado de pobreza” onde constava que eu não tinha condições financeiras de arcar com a multa.
Detalhe: a multa não chegava a 4 reais. E eu tinha no bolso, em dinheiro naquele dia, o suficiente para pagar umas 50 daquelas multas.
Assinei meu “atestado de pobreza”, a moça digitou um código lá e o sistema liberou meu recadastramento.
Minha esposa recadastrou-se rapidinho e aguardava na saída. Quis saber o porque da minha demora e começou a rir quando falei do “atestado de pobreza”.
- É querida, ria não. Agora está oficializado. Sou pobre. E quem vai precisar me bancar é você.
Voltamos pra casa rindo.
E eu cantando:
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré, marré, marré.
Eu sou pobre, pobre, pobre,
De marré deci.
= Roberto Coradini {bp} =
02//09//2014