Alfaces ou Rosas?
Sentada no banco da pracinha, nem percebia as flores sendo tocadas pelos insetos, nem o cachorro cheirando a grama e arrancando-a com dentadas violentas, tampouco sentia o vento suave daquela manhã de primavera.
Observava o outro lado da rua. De tempo em tempo, passava um ônibus. Para onde iriam ela não sabia e a cada um que partia, ela pensava: “o próximo eu vejo para onde vai”! Mas nada. Lá vinha outro e ela só olhava as pessoas que entravam e desciam deles.
Uma confusão aconteceu entre dois passageiros na hora de subir os degraus da entrada do ônibus. Uma mulher, de braços avantajados, com umas cinco sacolas cheias de produtos da feira, começou a gritar com o franzino homem, que carregava um buquê de rosas vermelhas: “Me deixe subir primeiro! Não está vendo que estou cheia de sacolas? Você esbarrou nas alfaces! Tá querendo estragar meu almoço?”
O homem, que estava a sorrir para dentro e leve expressão de doçura, franziu a testa e respondeu: “A senhora que ocupou todo o espaço de entrada! Não olhou que eu estava em sua frente, e quase amassou minhas flores! Pior seria a senhora destruir as rosas do que eu estragar suas alfaces, não acha?” A senhora, mais raivosa que o cão que mordia a grama, deu-lhe as costas dizendo: “Duvido que o senhor encherá a barriga com essas flores!”
Toda a discussão acabou em gargalhadas dos outros passageiros e os dois brigões se assentaram e partiram. Para onde foram? Mais uma vez Antônia não leu a faixada do ônibus.
Agora ela só conseguia pensar sobre as rosas e as alfaces. Qual seria a mais importante para a vida de alguém? Lembrou-se que também deveria fazer o almoço e que suas sacolas estavam cheias de verduras que começaram murchar por causa do sol. Morava ali pertinho e comprava alimentos frescos todos os dias para sua família, aproveitando para levar o cachorro para passear.
Levantou-se suspirando e olhou para o cão chamando: “vamos Lucky”! Ele abanou o rabo e esperou ela dar o primeiro passo. Ela não deu passo algum. Pensou um pouco perguntando-se o porquê de não ter pego nenhum ônibus. Cada um foi para um lugar. Mas ela não foi para lugar nenhum e só lhe restava cuidar das verduras para o almoço.
Sentou-se novamente e dessa vez notou um pequeno inseto na flor amarela ao lado do banco. Encurvou-se para enxergá-lo melhor. Ele batia as asinhas freneticamente. Ora aparecia, ora sumia dentro da flor. Mas ele sabia o que estava fazendo. Era para isso que ele existia.
Antônia refletia sobre as pequenas coisas da vida. Tudo sempre estava acontecendo, o tempo todo. Os ônibus sempre iam, as pessoas brigavam por bobagens, os insetos polinizavam as flores e ela olhava, cuidando a sacola de folhas que murchavam, assim como a senhora nervosa, cuidava de suas alfaces.
Ela concluiu que não pegou o ônibus por não precisar ir a lugar algum. Decidiu ir logo para casa, antes que perdesse as suas verduras para os raios de sol, que penetravam o plástico nocivo de sua sacola.